A pandemia veio interromper uma sequência de quatro anos com Portugal a crescer acima da média da União Europeia (tendo alcançado o primeiro superavit em democracia em 2019), algo que já não acontecia desde o século passado, provocando, desde março de 2020, impactos como: degradação do saldo orçamental; incremento da dívida pública; contração do PIB; aumento das dificuldades para as empresas e famílias; e agravamento da taxa de desemprego.
Para a recuperação económica e social do país, é necessário separar aquilo que são problemas de índole conjuntural dos de natureza estrutural, que já perduravam na pré-pandemia, destacando-se: o nível de produtividade, muito abaixo da média da UE e da OCDE, inibindo consequentemente o crescimento salarial; o endividamento de famílias, empresas e estado, totalizando cerca de 350% do PIB, o que, por via da dimensão do serviço da dívida, inibe o crescimento económico; e o nível de poupança interna, que, sendo reduzida, constrange a capacidade de investimento.
Quando nos preparamos para receber vultuosas subvenções europeias, devemos privilegiar aquilo que são ações inadiáveis e que incontornavelmente afetarão o futuro do país e, consequentemente, do setor da construção e do imobiliário.
O quadro financeiro plurianual e o fundo de recuperação europeu, em conjunto com o encerramento do PT2020, deverão garantir a Portugal, em média, cerca de 6 mil milhões de euros por ano no horizonte 2030. Isto corresponde ao dobro do montante mais elevado que o país já conseguiu concretizar desde a sua adesão à CEE. É também sabido que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) contém medidas já contempladas em planos de fomento de governos anteriores, e mais recentemente no QREN e no PT2020, e que nunca se conseguiram executar integralmente. O principal motivo é normalmente a falta de capacidade da administração pública para dar resposta à dimensão burocrática exigida no âmbito da aplicação dos fundos.
De entre as áreas prioritárias para investimento ao longo da década detaca-se a rede de infraestruturas, nomeadamente ferrovia, metros, aeroporto, portos, e outras obras estruturantes. De facto, o investimento público na construção é um instrumento eficaz na mitigação dos efeitos de uma recessão, por via do seu efeito mutiplicador da produção e do emprego, principalmente agora em que setores-chave como o turismo e o exportador estão condicionados devido ao problema de saúde pública.
Contudo, para posicionar adequadamente o país perante o novo ciclo de fundos comunitários, é imperativo realizar o planeamento e calendarização do investimento estruturante, pois só assim as entidades públicas responsáveis, e os agentes económicos em particular, conseguirão preparar-se devidamente, conhecendo o volume, o tipo de obras e a forma como vão ser lançadas e realizadas.
O sucesso de grandes investimentos infraestruturais pressupõe também o conhecimento prévio do nivel de maturidade dos projetos alvo de financiamento, bem como da sua viabilidade técnica, económica e financeira, do seu impacto territorial e ambiental, e ainda do seu enquadramento orçamental e respetivo modelo de contratação. Os recursos são limitados, bem como o horizonte temporal. Casos como o TGV e o aeroporto de Lisboa terão de dar lugar a projetos concretos. Deverá assim privilegiar-se a decisão em detrimento do overthinking. O custo de perpetuar a discussão é demasiado elevado, em termos financeiros e de custos de oportunidade.
De salientar ainda que os fundos europeus não são dinheiro garantido. É preciso primeiro estabilizar objetivos e cumprir um conjunto de condicionalidades para então conseguir os reembolsos pretendidos, considerando os necessários mecanismos de escrutínio sobre a boa aplicação dos financiamentos atribuídos e da transparência das operações. Prevê-se que o dinheiro da bazuca europeia comece a chegar em junho de 2021, pelo que o tempo para garantir a adequada preparação escasseia.
Tornar as infraestruturas mais robustas e resilientes, adaptar os edifícios a novas exigências de eficiência energética, segurança e qualidade do ar, são alguns dos desafios mais imediatos, assim como a transição para uma realidade mais digital, a sustentabilidade, a mobilidade urbana, a conetividade em infraestruturas públicas, e o combate às alterações climáticas. A coesão territorial deve ser assegurada, adotando políticas de incentivo ao investimento no interior, como criar beneficios fiscais, fixar clusters industriais, e garantir a existência e manutenção das infraestruturas necessárias.
O investimento estrangeiro deve ser fortemente incentivado, como forma de captar poupança externa, atendendo à nossa economia altamente endividada e descapitalizada. Deveria iniciar-se com reformas fiscais, transferindo o peso sobre a criação de riqueza para outras formas de tributação. Garantir uma produtividade mais competitiva é também uma métrica relevante, assim como reduzir os custos de contexto relativos à burocracia e à justiça. Por fim, um dos fatores mais valorizados pelos investidores: estabilidade política em torno de um rumo estratégico para o país, que poderia ser facilitada através de pactos de regime.
2021-2030 constitui uma oportunidade única para o setor da construção e imobiliário, que expetavelmente será impulsionado com investimento estruturante contemplando múltiplas dimensões, destacando-se a modernização das infraestruturas e o aumento da resiliência do território face às alterações climáticas.
Porém, o sucesso desta década estará comprometido caso não sejam atendidos problemas não só conjunturais, mas sobretudo estruturais que condicionam o investimento e a capacidade produtiva, assim como a atração e retenção de talento, e caso não sejam adotados os mecanismos de implementação e controlo mais adequados na aplicação dos fundos. É primordial rever o excesso de burocracia, a carga fiscal e a regulação de setores como a construção e imobiliário, onde a concorrência desleal, o défice de mão de obra qualificada e a falta de planeamento e cumprimento do investimento público constituem sérios desafios à evolução da atividade.