A situação é desesperante! E por isso mesmo é preciso, em tudo, usar máxima seriedade, transparência e rigor. E ainda mais no processo de vacinação, por que todos ansiamos e que poderá trazer a saída para esta imensa crise sanitária (não para as restantes, que por cá ficarão)
Não tem sido exatamente assim. Oscilamos entre o populismo do nem uma vacina para os políticos até que estejam todos os portugueses vacinados e o chico-espertismo de alguns que se atribuem o direito de serem vacinados, mesmo sem preencherem critério para tal.
Será tão difícil perceber que não se trata de atribuir direito à vacinação a Marcelo, António ou Eduardo, mas de garantir o funcionamento dos principais órgãos do Estado, para assegurar a democracia e até o combate à pandemia?
Ninguém defendeu que fossem vacinados antes dos profissionais de saúde que estão na primeira linha. Trata-se de assegurar a autonomia do Estado e não o privilégio dos seus dirigentes. E isso não significa que essa decisão deva alargar-se a todos os titulares de cargos políticos; apenas àqueles cujas insubstituíveis funções devem ser salvaguardadas.
É claro que a onda de entradas e saídas das listas de vacináveis do Parlamento, incluindo de Rui Rio, que há dias tinha afirmado o contrário do que agora fez, agrava a confusão. Lá se foi a apregoada (e falsa) moderação de Rio, assim que sentiu a aragem populista a correr, com os demagogos do costume à cabeça.
Por outro lado, os inconcebíveis comportamentos de alguns dirigentes públicos ou de instituições privadas e sociais, abusando da sua posição para se incluírem antecipadamente na vacinação, fazem aumentar a descrença da generalidade dos portugueses no processo. Não sei o que é mais chocante: se o desplante de se colocarem à frente de muitos profissionais essenciais e doentes de risco ou a convicção de que o poderiam fazer impunemente e sem consequências. As justificações são diversas, mas, em geral, quanto mais explicam, mais se afundam.
Entretanto, o problema fundamental da vacinação vai-se revelando semana após semana. As vacinas vêm muito mais lentamente do que seria necessário e nem sequer ao ritmo prometido pelas multinacionais do medicamento, quando se tratou de capturar as reservas antecipadas dos Estados. São dois milhões a menos no primeiro trimestre, só em Portugal. É apenas um reflexo da dependência em relação à indústria farmacêutica, de que a Covid-19 é só mais um exemplo.
A Alemanha, contudo, não se confinou à encomenda da União Europeia e negociou bilateralmente a compra de vacinas com algumas das mesmas empresas produtoras. Não admira que faltem…
Esta é a realidade dos países desenvolvidos, que são os que alcançam comprar estas vacinas. Já, por exemplo, em África, na América Latina e noutras latitudes, pouco ou nada chega das principais produtoras norte-americanas e europeias. Valham-lhes a China e a Rússia.
Mas se a pandemia está a atingir todo o mundo de forma brutal, se as companhias detentoras das patentes não têm capacidade para produzir em número e velocidade suficientes, porque não ceder direitos de produção a outras empresas e entidades públicas, garantindo que a fabricação seja mais rápida, mesmo com alguma contrapartida financeira, para garantir ressarcimento dos custos da investigação? A resposta é simples: porque o lucro destas empresas prevalece sobre as vidas que podiam ser salvas.
Bem faria o Governo em diversificar as compras de vacinas, além das negociadas pela União Europeia, para alargar o leque de fornecimentos e minimizar os atrasos. E, já agora, com as que vão chegando, que crie mecanismos para que nenhuma se desperdice, mas que sejam administradas aos que realmente devem ser prioritários.
Por enquanto, protejam-se; para a maioria, a vacina ainda tarda.
(Opinião publicada na VISÃO 1457 de 4 de fevereiro)