Com franqueza: alguém no seu perfeito juízo põe em causa a legitimidade de uma geringonça de direita nos Açores? A Constituição é clara, os governos não são eleitos, e o que aconteceu ao nível nacional à esquerda – que o PSD dizia ser ilegítimo – é evidentemente passível de acontecer à direita.
Acontece que a democracia vive para além da legitimidade formal.
Rui Rio anda exaltado a defender a sua aliança regional com um partido racista e xenófobo, totalmente exterior ao pacto civilizacional/constitucional que nos une, um partido que assume o objetivo de destruir esta república, tentando fazer uma simetria entre tamanha abjeção e os acordos entre PS e PCP/BE.
Rio, assim, descansa a sua postura de Pilatos na pobreza da legitimidade formal: “O CHEGA é um partido, eles fizeram com os outros, logo eu também posso.”
Os outros, o PCP e o BE, vistos assim numa simetria absurda, estão totalmente integrados na nossa democracia constitucional, não se lhes conhecendo um único projeto de lei ou passagem de programas de governo não conformes à lei fundamental, sendo risível apontar a qualquer um destes partidos, desde a estabilização da democracia, um único momento de rutura com a república.
O CHEGA, ao contrário, é a rutura com a república, representa a negação ativa da dignidade da pessoa humana, princípio primeiro da Constituição, renega direitos, liberdades e garantias de direitos humanos aprovados com os votos favoráveis, precisamente, do PSD e do PCP.
A pobreza da legitimidade formal tem um lado muito pouco corajoso, esse de fingir que é tudo a mesma coisa, como se Rui Rio não soubesse da História, como se o PSD não soubesse da gente fascista do século XX, cheia de legitimidade formal, como se o líder do PSD não soubesse de onde vem, atualmente, o perigo para as democracias liberais.
Pior: o PSD sabe que o problema maior não é o CHEGA, mas o que está para além desse ensaio crescente de extrema-direita racista e xenófoba, essa multidão invisível, por enquanto, que pulula por outros cantos, ainda sem forma, à espera de uma oportunidade.
Essa que Rui Rio está a ajudar a construir agora.
Essa, a de dar cabo da democracia à conta de um argumento formal.
Pelo caminho, perde-se também o PSD.
(Opinião publicada na VISÃO 1445 de 12 de novembro)