Antes de mais não nos deixemos impressionar pelo fenómeno, que não é novo e já foi mais intenso no passado, embora a sua difusão seja hoje muito mais rápida e universal, dados os avanços verificados nas tecnologias de comunicação e informação. Joseph Uscinski e Joseph Parent (American Conspiracy Theories, 2014) analisaram as cartas dos leitores recebidas pelo “The New York Times” e o “Chicago Tribune” durante 121 anos e chegaram à conclusão de que, de facto, actualmente não há mais volume de alusões a teorias da conspiração. Pelo contrário, elas parecem até ter diminuído em finais do século passado, mas sempre existiram. Basta uma simples pesquisa no Google para dar de caras com umas quantas.
Mas a diferença essencial com que o mundo se depara hoje é que Donald Trump tem uma mentalidade conspirativa e utiliza-as não apenas para provocar desinformação geral, mas sobretudo a fim de intoxicar a sua base de apoio eleitoral. Por exemplo, Trump andou a proclamar aos quatro ventos que Barack Obama não tinha nascido nos EUA e que, portanto, estaria a usurpar a Casa Branca, pois nunca poderia ser presidente por não ser cidadão americano. Em 2015, sessenta por cento dos apoiantes do actual presidente não só estavam convencidos disso, como acreditavam no boato de que Obama era muçulmano.
Inconformados com as críticas à catastrófica gestão da epidemia pela administração Trump, Bill Gates tornou-se um dos alvos preferenciais das teorias da conspiração sobre o coronavírus, sendo acusado de ter criado o vírus para ganhar dinheiro e poder controlar digitalmente os seres humanos em todo o mundo. De acordo com a imprensa, só entre Fevereiro e Abril, surgiram 1,2 milhões de referências a tais disparates nas redes sociais (no Facebook: 16 mil) e na televisão. Chegaram a somar 18 mil menções diárias, havendo mesmo quem apele à morte do fundador da Apple.
Outra teoria popular é que as torres 5G estão a propagar a COVID-19. Ou que indivíduos armados entraram numa pizzaria para salvar crianças de um esquema de tráfico sexual organizado por Hillary Clinton. Os movimentos anti-vacinas baseiam-se igualmente neste tipo de teorias conspiratórias, tal como sobre o vírus: “Os técnicos de saúde não percebem nada disto, as estatísticas estão manipuladas, os economistas são ignorantes e os jornalistas escondem as notícias.” Nancy Rosenblum diz mesmo que este fenómeno se insere “especificamente na deslegitimação da democracia, ao atacar as ideias de oposição leal, que é o coração da política democrática, e a necessidade de conhecimento para governar. Os conspiradores não têm interesse em governar. Esse facto precisa de ser sublinhado. O conspiracionismo tem tudo a ver com derrotar os inimigos e é, por vezes, apocalíptico.”
Como é que chegámos aqui? A luta contra o conhecimento foi potenciada pela internet e o crescimento exponencial das redes sociais, abrindo caminho a que qualquer ignorante explane aí ideias estrambólicas e até, eventualmente, delírios desenvolvidos por doentes mentais anónimos. De resto, muitas das ideias disseminadas nas redes parecem saídas da cabeça de indivíduos em situação de ruptura psicótica.
Mas o campo religioso não fica imune ao fenómeno, que também apresenta as suas teorias da conspiração. O próprio Jesus Cristo foi alvo de um fenómeno semelhante por parte dos seus adversários religiosos na época. Acusaram o filho de Deus de estar possesso por um demónio (“A multidão respondeu, e disse: Tens demônio; quem procura matar-te?” João 7:20), e também de ter pactos com Belzebú (“E estava ele expulsando um demônio, o qual era mudo. E aconteceu que, saindo o demônio, o mudo falou; e maravilhou-se a multidão. Mas alguns deles diziam: Ele expulsa os demônios por Belzebu, príncipe dos demónios”, Lucas 11:14,15).
Como o meio religioso constitui também uma representação da sociedade em geral, é compreensível que também aqui surjam comportamentos bizarros e ideias estranhas, potenciados pelo substracto espiritual e transcendental que lhe é peculiar. Por isso este é um campo fértil para as teorias da conspiração, onde qualquer ideia plantada pode assumir dimensões inimagináveis. Veja-se o caso emblemático do terraplanismo.
Nunca houve tanta informação disponível e nunca a ciência esteve tão desenvolvida, mas parece que o mundo está cada vez mais estúpido e intoxicado. Basta olhar para a qualidade dos governantes um pouco por todo o mundo. Talvez por isso, e pela primeira vez em 175 anos de existência, a Scientific American anunciou apoiar uma candidatura à Casa Branca, neste caso o democrata Joe Biden, pelo facto de Trump ter dado uma “resposta desonesta e inepta à pandemia covid-19”, mas também pela sua insistência em negar a realidade, uma vez que “obstruiu os preparativos dos EUA para a mudança climática, alegando falsamente que isso não existe”, retirando-se dos acordos internacionais que procuravam limitar o seu impacto.
A verdade anda a tornar-se um produto cada vez mais caro.