Preparemo-nos para o pior, para sermos surpreendidos pelo melhor.” Esta é uma máxima sábia que ouvi algumas vezes ao saudoso professor Ernâni Lopes, ministro das Finanças do governo do Bloco Central cujo primeiro-ministro era Mário Soares e que, de 1983 a 1985, aplicou um programa de assistência financeira do FMI a Portugal que conseguiu salvar o País da bancarrota e, com isso, concretizar a nossa entrada na Comunidade Económica Europeia. Uma máxima que não mais me saiu da memória e me tem sido útil como filosofia na gestão de crises.
A 23 de março, poucos dias depois de declarado o estado de emergência, previ num artigo no Observador (“Uma recessão superior a 10%”) que os efeitos desta pandemia e do confinamento social seriam brutais na economia e na vida das empresas. A previsão era assente em dados simples e muito pragmáticos. Não a fiz pela vontade de ser catastrofista, mas porque penso que a antecipação de cenários realistas, ainda que duros, nos prepara melhor para a gestão desses momentos e nos pode servir para antecipar e preparar medidas que minorem os efeitos de crises os quais não controlamos. Vi que o professor António Costa Silva, na preparação do seu plano de recuperação (e que ainda não li), aponta para um cenário de recessão de 12% em 2020. Um realismo que saúdo.
Já o Governo tem preferido a apresentação de cenários graduais, com pacotes de medidas temporárias focadas, sobretudo, na proteção do emprego. O layoff simplificado, por exemplo, foi apresentado no final de março como medida de apoio às empresas até junho. Já em junho, foi estendido até ao final de julho, ao mesmo tempo que se anunciava – a partir dessa data – um novo regime repleto de cálculos e de regras administrativas. Oiço agora que o regime original poderá ser estendido outra vez, para determinados setores, por tempo indefinido. Percebo a dificuldade de quem tem de liderar Portugal num momento tão imprevisível como o que vivemos. Mas talvez devesse ser fácil a quem lidera o País perceber que para as empresas, com a apresentação de medidas tão voláteis e graduais, torna-se tarefa quase impossível organizar cenários de contingência num contexto em que, em muitos casos, é verdadeiramente a sua sobrevivência que está em causa.
Além das linhas de crédito anunciadas (por certo, como está ao dia de hoje a sua concretização?) e alguns adiamentos fiscais – sobretudo dirigidos para as pequenas empresas –, evitou o Governo aplicar outras medidas, de maior alcance orçamental, que pudessem salvaguardar maior liquidez nas empresas ou injeção de cash nas famílias. A limitação do Governo é óbvia e o drama de Portugal é conhecido: somos um Pais profundamente endividado, sem margem de manobra para fazer face a choques externos ou inesperados, e sem recursos próprios que possam apoiar substancialmente empresas ou famílias numa circunstância extrema. Ao contrário da máxima de Ernâni Lopes, vivemos quase sempre na esperança do melhor e sem nos precavermos para o pior. A determinação do primeiro-ministro, António Costa, na aprovação do plano de recuperação europeu é também resultado da consciência da nossa fragilidade e circunstância. Triste circunstância. Independentemente da justiça das nossas pretensões de apoio europeu nesta crise pandémica, crise de que não somos responsáveis, a verdade é que nas agora intituladas democracias “frugais“, a circunstância não é a mesma. Desde o pós-guerra e do Plano Marshall que essas democracias do Norte da Europa se sabem sustentar, são orçamentalmente responsáveis e evitam endividamentos excessivos. Já nós, hoje, como em 1978, em 1983 e em 2011, estamos totalmente dependentes da ajuda externa ou da solidariedade europeia para resistirmos e seguirmos em frente.
Terá de ser sempre assim na nossa democracia?
PS. O texto acima foi escrito antes de conhecido o veredito sobre o plano de recuperação do Conselho Europeu. Agora que se conhece, fico contente pelo resultado final e pelos 45 mil milhões de euros que aí vêm. É muito dinheiro, que se bem aplicado, nos poderá relançar como Estado moderno e competitivo e libertar de velhas fragilidades.
(Opinião publicada na VISÃO 1429 de 23 de julho)