Felizmente, hoje, só alguns (embora notáveis) obscurantistas contestam o fenómeno do aquecimento global. Há, também, uma consciência cada vez mais aguda das consequências previsíveis desse mesmo aquecimento, em particular desde que o IPCC, o organismo das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, publicou o seu célebre Doomsday Report, em outubro de 2018. E, finalmente, há também um largo consenso social em torno da ideia de que é urgente passar do diagnóstico à ação.
Pelo meu lado, não tenho dúvidas nenhumas de que o ativismo ambiental desempenhou um papel fundamental na criação desse consenso social. Se mais razões não houvesse, a constatação desse facto bastaria para que não desvalorizasse o papel de Greta Thunberg em todo este processo. Não me verão, pois, alinhar no linchamento absurdo da ativista sueca.
Isto dito, parece-me evidente que há dois perigos que, a partir de aqui, devemos evitar.
O primeiro é o de esquecer como aqui chegámos. E a verdade é que chegámos aqui antes ainda da fase do ativismo, através de um trabalho sério e moroso, de muitos anos, de muitas instituições e investigadores, que permitiu a criação de um largo consenso científico assente em bases de evidência sólidas. Não ganhamos nada em levar agora o problema para o domínio da religião. Se nos colocarmos nesse plano, no plano da simples emoção e do dogma religioso (e há sinais dessa deriva), colocamo-nos no mesmíssimo plano dos obscurantistas e dos terraplanistas de tipo trumpiano. E tornamos, obviamente, um combate racional numa guerra de dogmas muito mais difícil – se não impossível – de travar e vencer.
O segundo perigo é permitir que se use o clima para fazer avançar outras agendas políticas. E não me refiro às agendas tão tontas quanto inconsequentes de todos quantos querem obrigar a Humanidade a regressar às cavernas ou a ir morar para comunas hippies.
Preocupam-me, isso sim, as agendas coletivistas e totalitárias que, tendo falhado miseravelmente no século XX, agora parecem querer voltar a despontar, à boleia da emergência climática (é, por isso, lamentável, aliás, que a direita tenha levado tanto tempo a acordar para o problema). Ao contrário do que repete o mantra comunista, o capitalismo pode e deve ser verde. Estou até convencido de que o capitalismo será a força decisiva para resolver o problema.
É evidente que precisamos de reconhecer que há falhas graves no modelo capitalista e que precisamos de um capitalismo 2.0, indutor de inovação nos modelos de produção e consumo.
Precisamos de políticas públicas, precisamos de políticas fiscais, precisamos de incentivos certos, precisamos de deixar de subsidiar os combustíveis fósseis, precisamos de investir em tecnologias amigas do ambiente. Precisamos, pois, de fazer ainda muito caminho. Mas é da energia e da capacidade de inovação e empreendimento de indivíduos livres e movidos pela força extraordinária do seu interesse próprio que se terá de fazer esse caminho. Não é de utopias sobre homens novos que o planeta precisa.
Seria, pois, absolutamente ingénuo e trágico que nos deixássemos ir no canto das sereias coletivistas. É desonesto, mas é sobretudo perigoso que se instrumentalize o clima para reiniciar uma contenda que a História do século XX resolveu com eloquência e com muitos custos desnecessários.
Não é Greta que é preciso atacar.
(Opinião publicada na VISÃO 1398 de 19 de dezembro)