Quantos anos tens? Quantos quilómetros fazes até à escola? A que horas te levantas? Quantos irmãos tens? O que é que queres ser quando fores grande? Foram várias as crianças que responderam “não”, “não sei” ou encolheram os ombros. Não é má vontade, é falta de festas de aniversário a marcarem a passagem dos anos, é falta de conta-quilómetros nos pés, é falta de relógios, é falta de precisão na pergunta (irmãos vivos ou mortos? De sangue ou rebocados?) e é falta de uma visão para além do futuro-mais-que-próximo. Para quê fazer planos para metas tão distantes?
Pelas escolas onde andámos parece não existir a idade dos porquês. Crianças que dizem preferir português, geografia ou história às outras disciplinas, não são capazes de explicar a razão das suas preferências. “Porque sim” aqui é resposta. Por vezes penso que a barreira pode ser a língua, mas temos tido professores que fazem traduções para emakhuwa e shimakonde, mas a atitude não muda. Claro que a nossa amostra é muito limitada e encontram-se exceções à regra. Há crianças da escolinha com um discurso mais fluido do que estudantes, já adultos, a caminho da 12ª classe.
Numa conversa com uma criança de 12 anos extremamente embaraçada, cabisbaixa e monossilábica, tive de perguntar ao professor o porquê daquele estado. A resposta foi “É a primeira vez que ele está a falar com um mucunha”. Mucunha é o nome que dão aos brancos. O problema, afinal, começa por ter um marciano no terreno.
Nesta manhã de quinta-feira fomos visitar a Escola de Teacane. Em Nampula só existe piso de alcatrão na malha mais central da cidade, à medida que nos vamos afastando, as estradas são todas de terra batida com pequenos canyons devido à época de chuvas. A pouco e pouco a estrada começa a deixar de ter barbearias e bancas de reparação de telemóveis e começa a ter um cenário campestre, só com árvores e um conjunto de rochas no horizonte a que deram o nome de cabeça do velho.
Na chegada à escola fomos recebidos pelo professor Hortênsio que nos encaminhou até à sua seleção de alunos para as entrevistas. Um destaque: António, de 19 anos. Quando acabar de estudar quer ser doutor e nos seus tempos livres só faz duas coisas “brincar e chegar o tempo que falta para ir na escola”. Sim, há alunos com relógios alinhados com o toque da escola. Um pormenor: o toque da escola é um círculo de metal (parte de uma jante?) pendurado numa árvore com meio alicate a servir de badalo. Houve ainda tempo para uma oferta vinda dum jogador português, Fernando Varela, que joga no equipa grega PAOK, 16 t-shirts para os jogos de futebol da escola.
De Teacane até à Escola Polivalente de São João Baptista de Marrere foi um pulinho e 437 canyons, sem passar na casa de partida e sem sairmos do distrito de Nampula. O padre Pedro, diretor desta escola que também possui internato, esperava por nós para almoçar. Numa longa mesa com toalha de capulana, serviram-nos um arroz de marisco e todas as opções de bebida, água, sumos de fruta, vinho branco sul-africano e um vinho tinto alentejano de 2013 que, a julgar pelo pó, estava guardado para uma ocasião especial. A Inês Faustino, diretora de programa de Nampula, almoçou connosco e o padre Tobias juntou-se mais tarde. Falou-se de educação, da visita do ministro português da Defesa a Nampula, de piratas informáticos, dos142 apadrinhados Helpo da escola e da importância do ensino técnico-profissional.
Depois do almoço fizemos mais uma ronda de entrevistas, envolvidos pelos livros da biblioteca. Wilson, de 17 anos, veio com a mãe. Está na 10ª classe vai seguir medicina. Mais à frente diz que quer ser marinheiro, apesar da mãe nos garantir que ele não sabe nadar. Marinheiro porquê? Encolheu os ombros e sorriu.