Em África as leis mudam ao minuto, não há duas experiencia iguais e todas as experiências vividas por outros “Overland” são apenas sugestões – úteis. Os vistos impossíveis, são possíveis, os vistos de trânsito de 48 horas podem ser por 72 horas se, por uma módica quantia, às seis horas da tarde o oficial da fronteira regista a nossa entrada no país à meia-noite e um minuto. No calhamaço de registos, à nossa frente, somos registados como entrando a essa hora, enquanto que o cidadão que está na fila, logo atrás de nós, é registado às 18h 05m. Tudo é possível.
Nas fronteiras há muito dinheiro a rolar entre mãos como se fossem papeis amarrotados para deitar para o lixo, só que vão para a gaveta com a maior das naturalidades. É um ritual de passagem.
Na fronteira do Gana, lê-se: “OFERECER DINHEIRO A UM AGENTE DA LEI É CONSIDERADO CRIME”.
A Costa do Marfim e o Gana são bons vizinhos. Partilham a mesma paisagem verdejante e as dádivas de um solo rico. A Costa do Marfim produz, diariamente, 65.000 barris de crude; o Gana 110.000. Na produção de bananas e ananás a Costa do Marfim leva a melhor. A borracha, o ouro, diamantes, café, cacau, são alguns dos ‘Export products’ de ambos os países. Parecem almas gémeas, mas não. São muito diferentes.A Costa do Marfim foi colonizada em francês, o Gana em inglês e é mais conservador.
Na Costa do Marfim, é muito mais fácil encontrar placas de ONG’s, fundações e projetos (até encontramos uma ONG que trabalha em prol da diminuição dos acidentes rodoviários), do que as básicas placas com os nomes das ruas. Simplesmente não existem.
Em Abidjan (capital de negócios da Costa do Marfim), a prostituição é desmedida, a propriedade de telemóveis é desmedida (muitos, mas mesmo muitos cidadãos com dois e três equipamentos), as buzinadelas são desmedidas, o trânsito é desmedido, sem rei nem roque e o policia exige-nos dois triângulos “um para a frente e outro para trás”, e um extintor. Em Abidjan a vida é desmedida, mas as oportunidades de negócios são grandes. O negócio fervilha com a caldeira a todo o gás.
Nos restaurantes dos hotéis, ocidentais de colarinho branco e gravata, de computador aberto, puxam dos American Express para pagar faustosos almoços a senhores fardados, aprumados e cheios de galões. A vida é desmedida, mas ninguém se queixa.
No Gana, o profano mistura-se com o religioso e os “profetas” proliferam por todo o país com discursos de salvação, desde católicos, batistas, evangélicos e outras organizações religiosas. “Homens inspirados para substituir Jesus”, “Convenção dos Santos” e até, curiosamente, uma organização “salvadora” que se autoproclama “Fogo Carismático da Salvação”, o máximo.
P.S. A propósito disto, em Lisboa, alguns dias antes de partirmos para a nossa aventura andamos a recolher, pelos nossos amigos, material escolar (cadernos, lápis, livros escolares, jogos didáticos, material novo ou em muito bom estado),uma boa recolha para além das caixas de material que a Bridgestone enviou para levantarmos em Maputo.
Por alguma razão, uma associação teve conhecimento do nosso projeto e chamou-nos lá porque “temos livros muito interessantes para entregar às crianças de Moçambique”. A senhora que me atendeu foi muito precisa: “Entrega um livrinho a cada criança, que o metam na mesinha de cabeceira para poderem ler todas as noites um bocadinho”.
Pensei: mesinhas de cabeceira na aldeia de Chibadane é coisa que não existe, mas dei de barato. Ao mesmo tempo, comecei a folhear os livros e tratavam-se de compêndios religiosos, formadores de virtudes e esperança no céu.
– Minha senhora, peço muita desculpa, mas não posso levar estes livros. O meu projeto não é evangelizador. É educacional e cultural.
– Mas estes livros educam, segundo a palavra de Deus.
– Mas eles têm muito tempo para fazer as suas escolhas religiosas. O próprio Jesus batizou-se aos 33 anos, não foi?
– Então não percebo o que vai fazer para África, são selvagens.
(Virou-me as costas e perdia-a de vista ao fundo, à esquina do corredor)