
Da fronteira de Gogui a Bamako, capital do Mali, perfazem cerca de 500 quilómetros. Para os mauritanos uma incursão pelo Mali não é uma boa ideia. No último controlo mauritano antes de entrar no Mali, o policia com os nossos passaportes nas mãos rumorejava: tem a certeza que quer ir ao Mali? Vocês, europeus, são muito estranhos. Tem filhos?
– Tenho, e você?
– Claro que tenho. Nós, os africanos, temos muitos filhos. Na Europa é que parece que só podem ter um ou dois, não é?
– Nós podemos ter todos os que quisermos, temos é que pagar a educação a alimentação, entre outras coisas. Criar um filho na Europa não é tarefa fácil.
– Aqui comemos todos à volta do mesmo prato. Na Europa é que parece que é cada um no seu canto. Ironizou o policia com gestos a condizer
– E não tem que pagar a alimentação, a escola, a roupa?
– Tudo se arranja. Alá paga tudo.
Passamos a fronteira do Mali com alguma tranquilidade.
Surgem as primeiras plantações de milho, as primeiras pistas de terra vermelha, as primeiras hordas de motorizadas e a única estrada que existe, em muito mau estado, apresenta crateras infindáveis transformando a estrada, ou o que resta dela, numa imagem surreal, entre a paisagem lunar e os velhos cartões de ovos.
Carros e camiões (muitos de 4 rodados traseiros. Impressionante) encostados à berma, queixosos, com pneus furados, jantes partidas, suspensões desfeitas, eixos destruídos. Cada vez que tentávamos um caminho para fugir à estrada, os pastores, às centenas com milhares de cabeças de gado, obrigavam-nos a regressar à mesma. É que por estas bandas os pastores não andam de cajado, parecem mais guerrilheiros de uma fação armada qualquer. E depois de estarmos quase 4 horas parados, à torreira do sol, em Niolo du Sahel, 50 km depois da fronteira, nos serviços alfandegários à espera de um carimbo, não estávamos à espera deste inferno.
Para fugir aos buracos, cai-se noutros. Alguns de fazer doer o coração.
Ao fim da tarde o sol começa a esconder-se atrás da montanha por volta das 18h 30m. A temperatura é mais fresca e mais agradável. A terra expele pequenos suspiros, os braseiros acendem-se nas aldeias, mas a noite é madrasta, quer em termos de segurança, quer em termos de condução. Faltam cerca 200 km para Bamako e agora só há uma coisa a fazer: pagar as portagens e avançar.
Os veículos em sentido contrário, sempre com os máximos acesos, criam uma penumbra que esconde as crateras. A progressão é de 40 quilómetros em cada hora e meia.
Às portas de Bamako, o ambiente é agitado e ameaçador. A fila interminável de camiões às portas do controlo alfandegário cria o caos. Nas barracas de madeira assa-se carne, peixe e maçarocas de milho. Milhares de vendedores ambulantes vendem tudo, desde sacos plásticos com uma pedra de gelo, bananas, chá, mosquiteiros, lenços de papel, amendoins, cartões para os telemóveis, garrafas de vidro com combustível e outras tantas coisas que nem percebemos o que é.
Os condutores dos camiões discutem uns com os outros, outros conversam e fumam com armas ao tiracolo. Grupos de jovens passam pelo nosso carro e com os punhos cerrados batem na chapa proferindo algo impercetível. Os polícias de camisa azul índigo parecem estar alheios a tudo ao seu redor. Apresentamos o nosso passe-avant e é nos dada a ordem para avançarmos. Contamos mais de 5 km de fila de camiões.
Chegamos ao “Djamilla”, o Albergue referenciado em Nouakchott, explorado por uma simpática francesa que veio parar ao Mali sabe-se lá porquê – já passava das duas da madrugada, cansados e abatidos com o peso do inferno e desejosos de uma cama que não tivesse buracos.