Os dois debates entre o primeiro-ministro e o líder do maior partido da oposição ficam para a história das campanhas eleitorais por terem batido vários recordes. O das televisões reuniu uma audiência média de 3,5 milhões de pessoas, a maior desde que se fazem estes registos. O das rádios foi um debate que elas próprias anunciaram como histórico: nunca antes três estações (Antena 1, TSF e Renascença) se tinham juntado para uma iniciativa deste tipo. Mais inovador ainda: o debate seria transmitido, ainda que em diferido, pelas televisões.
O sociólogo francês Dominique Wolton, que há muito se dedica à análise dos media, entende que a rádio teve um papel muitas vezes subestimado entre os meios de comunicação do séc. XX. Uma tecnologia simples, incomparavelmente mais barata do que a televisão, é, nesse sentido, mais democrática. Basta lembrarmos como entre nós se propagou o fenómeno das rádios locais. Outra vantagem, alega, é o seu caráter mais intimista, o maior à vontade que permite.
Numa era em que os limites entre debates na rádio e na TV são cada vez mais ténues, quais as diferenças que ainda subsistem? António Costa iniciou a sua intervenção congratulando-se com “a revalorização” do debate político na rádio. E, por ironia, foi ele o primeiro beneficiário de a rádio ser mais flexível. Apanhado por um aperto de trânsito, obrigara a um atraso do debate, sem “escândalo” de maior.
Neste caso, os três moderadores – Maria Flor Pedroso (Antena1), Graça Franco (Rádio Renascença) e Paulo Baldaia (TSF) são jornalistas com experiência televisiva. Mas uma troca de impressões com Paulo Baldaia permite concluir que nem por isso se deixaram de sentir na rádio : “Vi por mim e pelos meus colegas que nos conduzimos como se estivéssemos em estúdio, com o mesmo à vontade. Conseguimos abstrair-nos de que o debate estava a ser filmado. E creio que o mesmo se passou com os convidados”. Talvez por isso, os dois políticos levaram gráficos e papeis que nem exibiram.
No final, os analistas foram praticamente unânimes em que o debate fora mais esclarecedor do que o das televisões, quando poderia ter “sobrado” pouco do primeiro. Mas houve um debate fluido entre os dois políticos, com menos interrupções do que o das televisões. Opção clara destes moderadores. Mas também, ao que explica Paulo Baldaia, porque, na rádio, as pessoas têm menos tendência a interromper-se. Ali só as palavras contam. Não há outros elementos distrativos, como expressões faciais.
E, no final, o debate tinha-se prolongado por quase mais 15 minutos, o que seria difícil na televisão, condicionada como está pelos compromissos publicitários. Paulo Baldaia concorda, ainda que só em certa medida: “Também temos os nossos compromissos. Mas, ao contrário das televisões, decidimos não fazer intervalo. E o prolongamento também nos foi possível, porque já temos um nível de audiência entre as 10 e as 13 que nos permite ir redistribuindo a publicidade ao longo da manhã.”
Volto ainda a Dominique Wolton. Quando compara os diferentes media de hoje, diz que rádio e televisão continuam a valer sobretudo como experiências coletivas. Neste caso, o debate das televisões conseguira uma audiência média de 3,5 milhões de pessoas. Na rádio essa contabilidade é muito mais difícil de fazer. Àquela hora, Antena 1, TSF e Renascença têm uma audiência conjunta de 600 mil ouvintes. Mas quantos outros terão visto na televisão ou nos sites das rádios, que transmitiram, com imagem, em direto? As estações arriscam um total de milhão a milhão e meio de pessoas.
Por mim, presumo que, na televisão, boa parte destas pessoas não tenha assistido ao debate por inteiro. É que, durante o dia, os analistas tinham sido quase unânimes em que havia um vencedor claro, Passos Coelho, sobretudo porque Costa se atrapalhara nas contas da Segurança Social. Então, à noite, quando viram, nos telejornais, extratos selecionados do debate, já sabiam ao que iam.
A semana passada escrevi aqui que Passos Coelho, ao dispor-se apenas a um debate televisivo, se privara do direito à desforra. Mas parece não ter sido assim. A nível dos conteúdos, continuo a não ver razão para que os indecisos tenham formado a sua opinião. Mas, se os debates parecem contar sobretudo para a mobilização das hostes partidárias, então o primeiro ajudou mais a campanha de Costa e o segundo a de Passos Coelho. Sendo assim, vamos entrar formalmente na campanha eleitoral como antes dos debates: tudo gira à volta do empate.