Costa e Seguro tiveram, na passada terça-feira, o seu último debate televisivo antes de irem a votos neste fim de semana. Os três encontros mostraram-nos uma surpresa e uma confirmação. Esta, a de que António Costa faria o possível e o impossível para não mostrar o seu jogo, não se comprometendo com coisa alguma nem excluindo quem quer que seja do que quer que seja. Quem já o conhece, sabe o que pode esperar dele. Quem não o conhece, ficou apenas com uma alternativa a António José Seguro. O atual secretário-geral do PS, há que reconhecer, foi a surpresa. Não tanto por ter, ao contrário do seu opositor, apresentado ideias claras sobre vários assuntos – afrontando partidos da esquerda e mesmo setores dentro do próprio partido para afirmar as suas ideias e limites -, mas por ter mostrado uma força que se não lhe conhecia.
Costa partiu para este debate por vontade própria e como um vencedor antecipado, o homem que “toda a gente” espera há já muito tempo, dentro e fora do PS, que faz a ponte entre várias sensibilidades socialistas, que “pisca” o olho à esquerda e agrada também à direita.
Seguro partiu para este confronto contra vontade, com o sentimento de “atraiçoado” – palavra que pode ser demasiado forte mas traduz a forma como recebeu o desafio de Costa. E apesar de secretário-geral em exercício, com vitórias numas autárquicas e numas legislativas, a verdade é que partiu como o candidato que tinha de dar a volta à derrota antecipada.
E a surpresa, para muitos, é mesmo esta. A convicção geral é a de que a derrota de Seguro, a verificar-se, não são favas contadas. Seguro, o contemporizador, deitou as unhas de fora e mostrou uma combatividade inesperada. Uma combatividade que não foi capaz de ter em grande parte do exercício do seu mandato – não perante o Governo, como disse Costa no debate, mas antes perante os setores do PS que, inequivocamente, condicionaram a sua liberdade de atuação. Quanto a Costa, levou até ao limite a sua estratégia de gestão dos silêncios e das expectativas, pagando-a, semana após semana, com o desgaste da vantagem que tinha à partida deste processo.
Mas o debate de terça-feira, contudo, pode ter voltado a baralhar os desempenhos e as tendências de voto. E, desta vez, foi Seguro quem queimou eventuais vantagens ganhas anteriormente, ao ter pecado por excesso na estratégia delineada de ataque a Costa: muitos simpatizantes não terão gostado e muitos militantes jamais perdoarão. Como Seguro deve saber melhor que ninguém, há coisas, nos partidos, que não se dizem.
Ganhe Costa ou Seguro, estas primárias são um marco na vida política e partidária do País. Mas não quer dizer que deixem apenas boas marcas.
É inegável que o confronto Costa/Seguro conseguiu trazer um novo balão de oxigénio à política nacional. Cerca de ?150 mil pessoas sentiram motivação para se inscreverem como simpatizantes, o que é um número muito significativo. Mas muitos mais seguiram o assunto com interesse, como o demonstram de forma “científica” as audiências televisivas e de forma empírica as conversas de café. E este é um fenómeno que merece ser referido, numa altura em que a política e os políticos andam pelas ruas da amargura.
Mas não se pode também deixar de dizer que o nível do debate entre os candidatos ficou muito aquém das expectativas que criou, e que, findo este ciclo de campanha, a intervenção política não saiu mais rica ou valorizada. E que estas primárias mostraram também, à saciedade, as perversidades que o próprio modelo encerra. Não são propriamente “simpatizantes” do PS todos os que se inscreveram nessa qualidade para escolherem, no próximo fim de semana, o candidato socialista a primeiro-ministro. Como se viu, em muitas reportagens feitas ao longo destas semanas, o que não faltou foram simpatizantes de outros partidos a inscreverem-se nestas primárias. Com Costa ou com Seguro eleitos, eles estarão a votar noutros candidatos de outros partidos.
Com todas as distorções e imperfeições, do sistema e dos próprios candidatos, toda a gente está de acordo num ponto: as primárias socialistas vão ter, necessariamente, impacto em todo o sistema partidário. Ao abrir aos não militantes a porta do partido, para participarem na escolha do seu candidato a primeiro-ministro, a mais importante escolha que um partido pode fazer, o PS entrou num caminho sem retorno e deixou, ao mesmo tempo, os outros partidos numa posição de desvantagem. Ninguém vai querer, ou poder, ficar para trás no movimento de abertura à “sociedade civil”. Neste sentido, estas são as primeiras primárias de um novo ciclo de relacionamento dos partidos com os eleitores. Esperemos que se tenha aprendido alguma coisa, para que possam ser um bom contributo para um desgastado sistema partidário.