Caríssima empresa de telecomunicações Oi,
Este dia demorou como tudo demora quando se trata da Oi. Por fim, consegui cancelar o meu contrato. É um dia feliz, e por mais que eu saiba que saí derrotado desta relação – construída com uma mistura de dependência, abuso e impotência – sinto que recuperei alguma da dignidade perdida ao longo de três anos.
Quantas vezes me desligaste o telefone na cara só porque não conseguias resolver o problema que tu mesma tinhas causado? Quantas vezes me deixaste a falar com o Eduardo, o atendente virtual? Quantas vezes quiseste dar-me um inútil número de protocolo, me pediste o CPF e o nome da minha mãe para, em seguida, me passares novamente para uma das tuas amigas, sempre zangada, mal educada, cruel, também ela indiferente ao meu desespero e pronta a cortar-me o pio?
Contigo aprendi, na sua plenitude, o significado da expressão brasileira “levei um bolo”. Tardaste um mês para aparecer cá em casa. Eu ligava.
“Fiquei à espera, mas não veio ninguém.”
“Marcamos para sexta? Entre as oito e a uma da tarde?”
Fiquei um mês sem internet.
Mesmo assim, e com um ano de relação, resolvi tornar as coisas mais sérias. Além de celular e internet, quis ter televisão. Dessa vez, não me deixaste à espera. Chegaste no dia seguinte. Lembro-me de subir ao telhado do meu prédio, de 13 andares, com o técnico. Era a primeira vez que estava ali: a vista da Lagoa até ao mar. O técnico falou-me das vistas que tinha da cidade no seu dia a instalar antenas e pensei que, a trabalhar para a Oi, talvez andar nos terraços do Rio fosse bem melhor do que maltratar clientes no galinheiro infernal do call center. No final, agradeci ao técnico a presteza no serviço. Estava feliz, no topo da Gávea, com TV por cabo.
Três dias depois ligou-me uma vizinha. Dizia que a Oi tinha tirado a antena dela para instalar a minha, e que eu tinha de resolver a situação. Telefonei-te. Disseste que vinhas. Quatro vezes. Não vieste nenhuma. Quando liguei a pedir uma razão, respondeste como se a culpa fosse minha. No teu tom soava o desinteresse de quem se habituou a partir corações:
“Aqui no relatório o técnico diz que não foi em sua casa porque é numa zona perigosa.”
Uma mentira fácil de apanhar, a Gávea não é a favela de Manguinhos.
A mentira e o engano fazem parte de quem és, estão entranhados no teu cheiro. Gostas de fazer os outros de otários, de levar vantagem, de sair impune. É o teu modelo de gestão.
Poderia enumerar casos infinitos sobre a tua inoperância e arrogância, falar das multas que pagas displicentemente como quem atira dinheiro para cima dos lençóis usados num bordel. Podia mencionar os milhares de processos judiciais, avaliações penosas, reclamações, resultados de inquéritos a clientes, preços caríssimos e qualidade lamentável, mas tudo o que diga não alcança aquilo que se resume numa frase: és a pior empresa da qual fui cliente ao longo da minha vida. Morei em vários países, e se é verdade que as companhias de telecomunicações costumam prestar serviços insuficientes, a Oi, como diria o matador Jules Winnfield, no Pul Fiction, “it ain’t the same league. It ain’t even the same fucking sport”. Por outras palavras, se o Kafka fosse vivo e assinante da Oi provavelmente escreveria “O Processão”.
Sei que no futuro contarei os diálogos absurdos com as atendentes em jeito de piada. Sei que não devia ter sofrido dos nervos, sempre que passava uma manhã inteira ao telefone para (não) resolver coisa alguma. Mas o que me interessa mesmo, agora que me livrei de ti, é a dimensão trágica de tudo isto – ou seja, como pões em ação, todos os dias, a ganância, o descaso, a má educação, a burocracia, e como derrotas inapelavelmente todos nós.
Não é uma relação justa, em que ganham ambas as partes. Tu: os deuses do Olimpo. Nós: os mortais, a quem cabem pequenas vitórias – como cancelar um contrato ou ter televisão durante três dias -, mas, com demasiada frequência, somos inválidos perante o teu poder e a ordem desalinhada da tua lógica empresarial. Somos forçados a acostumar-nos, estamos resignados ao “Deu ruim”, sem alternativas (as outras não são muito melhores), diante de uma parede. És o minotauro e o labirinto.
Sempre que ligava para o atendimento ao cliente e ouvia a habitual gritaria de boteco ao fundo e a má vontade da atendente, revisitava a sensação de derrota por cansaço, por absurdo, por desespero. Ficava sem internet e telefone, dias seguidos, porque não queria ter de ligar-te outra vez. Aniquilas a esperança e corrompes a boa fé. És a prova da nossa pequenez e da nossa desistência diante do implacável e inoperante sistema. E é por isso que – e aqui está a tragédia – representas tão bem o espírito dos tempos nesta cidade.