Há zero a zero, há cem a cem
Se me dissessem, há uns anos (ou até antes do Mundial) que eu vibraria mais com um Bélgica – Estados Unidos do que com as prestações da seleção portuguesa, acharia improvável. Mas, nesta Copa, felizmente, tem importado mais o jogo dentro de campo do que os galões das equipas que, quase sempre, dominam estes torneios. Ontem, diante da TV, talvez tenha visto o melhor zero a zero da minha vida. Noventa minutos sem golos costumam anunciar tédio e, provavelmente, uma das equipas metida na sua área, prevenida com ferrolhos, trancas e chutes para fora. Mas não foi isso que aconteceu. A qualidade do jogo, bem como a entrega de ambas as equipas compensaram o alegado tédio do marcador, inalterado durante o tempo regulamentar – três golos no prolongamento, no entanto, compensariam o nulo dos 90 minutos.
Bélgica e Estados Unidos podem não ser as melhores seleções da Copa, podem não ter craques globais que fazem anúncios de champôs e que sozinhos definem jogos, podem não ter a mística daqueles que já ganharam um Mundial, mas ontem satisfizeram a urgência de emoção dos adeptos da Copa e, ao contrário de outras seleções resignadas e absortas, relevaram que, perdendo ou ganhando, um Campeonato do Mundo é para ser jogado assim mesmo, com tanta intensidade, beleza e fome, que dei por mim ora a torcer por uns, ora a apoiar outros, porque me apetecia muito que aquele jogo durasse a noite inteira.
Ps – não sei porquê, mas ao ver o jogo ontem lembrei-me de uma canção da minha infância que não ouvia há décadas. Aqui fica.
Yes we can
Ontem, ao testemunhar a crença e a dedicação dos jogadores norte-americanos, e sabendo que o seu treinador mandara reservar os bilhetes de regresso apenas para o dia após a final, pus-me a pensar na diferença de atitude entre a seleção portuguesa e americana. Se Portugal é o país do “Não” – há professores na faculdade que dizem (como disseram a mim) que não dão mais de 12 valores nos exames -, os Estados Unidos é o país do “Sim”. E se um português que abre falência uma vez é um falhado, um americano que abre falência várias vezes é um empreendedor que está à procura do negócio que dará, por fim, certo. Em ambos os países, claro, há exageros – os derrotistas de um lado, os exageradamente crentes do outro. Talvez o ideal fosse o meio termo entre a resignação lusitana e o fervor norte americano. Uma coisa é certa: por mais que possamos ridicularizar o discurso do “Yes we can” e aqueles que julgam que tudo é possível se houver trabalho e força de vontade, ainda que torçamos o nariz a esse otimismo e tenhamos dúvidas que o mérito e o esforço serão suficientes para ir adiante e para que sejamos reconhecidos, a verdade é que por cada maluco que acredita no sonho americano como quem professa os ensinamentos do livro “O Segredo”, há uns quantos que, de facto, dão muito certo. Os Estados Unidos podem ter perdido ontem por 2-1, mas parece-me que ganharam uma seleção e milhões e milhões de adeptos.
Vai um cafezinho?
Temos um ritual, embora não precisemos sequer de falar dele. Todas as manhãs eu chego à editora e entrego ao senhor Paulo os suplementos dos jornais do dia sobre a Copa. Ele, claro, já preparou o cafezinho da manhã. Os primeiros minutos, quando ainda estamos sozinhos no escritório, são passados a falar dos jogos do dia anterior e fazendo a previsão das partidas que se seguem. É um dos meus momentos preferidos do dia, temos sempre informações para trocar, e o senhor Paulo mostrou-se gentilmente solidário com a desmaiada e triste prestação da seleção portuguesa. Ontem, quando falávamos dos dois dias sem jogos que começam hoje, ele desabafou: “Vou sentir falta dessa Copa, não vou conseguir voltar a ver os jogos do campeonato brasileiro”. Por causa do senhor Paulo, e de outros que fazem os dias – por vezes tão perros e cheios de má vontade no Rio – parecerem mais suaves e sorridentes, eu gostaria que o Brasil fosse campeão do mundo.
Lá em casa tudo bem
O excesso de futebol está a deixar as suas marcas no lar – ainda que a tolerância da minha mulher seja suficiente para que eu agradeça aos céus tamanha bondade. Em 20 dias de prova, apenas duas vezes ouvi um comentário sobre o facto de a TV estar sempre a passar futebol. Ontem, ela relembrou-me que o som dos relatos recuperava qualquer coisa antiga e profundamente nostálgica, trazendo de volta certos fins de semana, quando os velhos na rua colavam os rádios a pilhas nas orelhas peludas e o esmorecimento das tardes de domingo fazia antever a ansiedade das manhãs de escola, na segunda feira que se avizinhava. E foi então que retirei o som da TV. Afinal, bem que posso assistir, em silêncio, ao resumo do jogo que tinha acabado de ver. E, como o menino pequenino que julga não ter culpa das suas pulsões mais básicas, pedindo uma atenuante para o seu comportamento fora da norma, disse: “Baby, vá lá, é só de quatro em quatro anos”.
Os quartos de final
Uma das meias-finais será sempre entre uma seleção europeia e outra sul-americana, na qual se defrontarão os vencedores dos jogos Brasil – Colômbia e do Alemanha – França. A outra meia-final, porém, pode ter duas seleções europeias ou duas equipas sul americanas, que sairão das partidas Argentina – Bélgica e Costa Rica – Holanda. Acredito que as meias-finais se disputarão entre Brasil e Alemanha (fantástico) e Argentina – Holanda (incrível). E ainda que a última coisa que os brasileiros queiram seja uma final com a Argentina – o risco de perdê-la para o principal rival é demasiado assustador -, continuo a querer essa final, que talvez não ofereça o melhor futebol, mas que tornará o desfecho desta Copa tão dramático como um duelo ao pôr do sol.