Torcida brasileira é fogo
Eu sei que cada adepto vê o jogo filtrado pelas cores da sua seleção. Somos complacentes, imparciais, exigentes, descontrolados. Mas os brasileiros, que torcem como ninguém, também são implacáveis com a sua seleção. Depois do empate a zero com o México, parecia que os adeptos com quem falei tinham visto outro jogo. Tudo bem que o Brasil não fez a melhor exibição da sua história, tampouco jogou mal. Mas a zanga era tamanha que, quando falei dos vários remates à baliza feitos pelo Brasil e do mérito da prestação do guarda-redes mexicano, um amigo disse-me: “Que nada, eles chutaram contra o cara”. Outro brasileiro disse ainda: “Se aos trinta minutos de jogo estiver zero a zero a torcida começa a vaiar”.
Recentemente li a biografia de Nelson Rodrigues, que escreveu magistralmente sobre várias Copas do Mundo, incluindo as que o Brasil ganhou em 58, 62 e 70. Fiquei a saber que não houve uma Copa em que a seleção não fosse questionada e cobrada sem compaixão. Talvez os brasileiros estejam mal habituados, afinal, ganharam cinco campeonatos do mundo e o seu futebol sempre foi celebrado pela beleza. Ou talvez vivam ainda num tempo que já não existe – quando cada posição do onze era ocupada por um craque e a havia demasiadas seleções de coxos; quando o Brasil entrava para golear e jogar bonito.
Como diria um primeiro-ministro português de má memória: o mundo mudou. Nem o Brasil é tão fabuloso como antes nem os outros são tão azelhas para entregar o resultado sem dar luta. O mundo mudou, sim, mas a torcida, apaixonada e intransigente, festiva e grandiosa como nenhuma outra, continua em sintonia com as antigas palavras de Nelson Rodrigues: “O craque surpreende. Deem-lhe uma boa vaia e ele faz milagres aos borbotões”.
Buzinaço
Nos dias de jogo de Brasil, o Largo da Carioca, no Centro do Rio, é invadido por camelôs – vendedores ambulantes que comercializam múltiplos adereços para a festa, com especial apreço pelas buzinas. “Tem buzina de cinco (reais). Tem buzina de dez”. Tem até buzinas duplas. O vídeo abaixo, que fiz no dia do jogo, mostra o caos sonoro horas antes da partida.
Complexo de Napoleão
O Globo noticiou que Joseph Blatter, presidente da FIFA, alugou a cobertura triplex de Ronaldo Fenómeno, na primeira linha da praia, no Leblon, Rio de Janeiro. Quando Blatter precisa de utilizar o elevador mais ninguém pode fazê-lo. Segundo uma moradora: “Quando a porta do elevador se abre, homens de terno botam a mão na frente e avisam: ‘agora não!'”. Blatter, que não está entre as pessoas favoritas dos brasileiros, move-se pelo Rio acompanhado por batedores em motos e polícias federais. Ele é, afinal de contas, retratado como um herói e interpretado por Tim Roth (o mister Orange, de Cães Danados) num filme sobre a FIFA com pretensões épicas. O trailer diz tudo.
Copa do mundo é:
Um português e um sueco, a almoçar num restaurante de comida a peso, no Rio de Janeiro, gritando o segundo golo da Austrália como crianças, para espanto dos outros clientes. “Isto é Copa do Mundo” – diz o sueco. E o português, feliz com esta Copa, só pode concordar.
Frase do Dia
“Em cabelo que está ganhando não se mexe.”
– Adepto brasileiro comentando a mudança do penteado de Neymar para o jogo com o México.
Copa dos Pobres
Os artistas Artur Kjá e Luciano Cian, que formam o Fuso Coletivo, conhecidos pelas suas intervenções nas ruas do Rio, criaram vários cartazes, que espalharam pela cidade, em que mendigos cariocas aparecem junto a símbolos da Copa do Mundo, como a mascote ou a própria taça. Há muito que no Brasil se percebeu que este torneio era mais para estrangeiros e brasileiros ricos do que para toda a população, como anunciara o ex-presidente Lula da Silva. O Fuso Coletivo pegou na ideia e fez isto.
Copa dos ricos
Por falar em Lula e em ricos e pobres. Desde que Dilma Rousseff foi insultada vulgarmente no jogo de abertura em São Paulo, que a narrativa política do momento, liderada por Lula, se focou na oposição: ricos e pobres. Um vez que aqueles que insultaram Dilma eram ricos, brancos e da elite de São Paulo, Lula e o PT criaram a ideia de que a presidente atual é vítima dos ricos maus, mas está do lado dos pobres bons. É propaganda simples e maniqueísta, mas funciona, porque a taxa de aprovação de Dilma, que caía há meses, voltou a subir. Para saber um pouco mais leia a crónica de Elio Gaspari, no jornal o Globo.
Meu caro amigo
Hoje é aniversário de Chico Buarque. Faz 70 anos. O cantor sempre foi muito futeboleiro. Adepto ferrenho do Fluminense e cronista de Copa do Mundo, ainda joga peladas com frequência. Há uma série antiga de fotografias a preto e branco em que Chico Buarque joga futebol com Bob Marley, na única vez que o jamaicano visitou o Brasil. Algumas dessas fotos podem ser vistas aqui.
A história dessa visita, e dessa pelada, em 1980, é contada nesta reportagem de uma TV brasileira, abaixo.