As recomendações da OCDE para a economia portuguesa são um conjunto de medidas marcadamente liberais, à semelhança do que pensam Passos Coelho e Vítor Gaspar, do que se encontra estabelecido no acordo de assistência financeira assinado com a Troika e do que tem sido aplicado um pouco por toda a Europa. O padrão geral é, como não podia deixar de ser, o mesmo. Mas, ainda assim, existem algumas diferenças nas propostas deste “Portugal: Reformar o Estado e Promover o Emprego”, um estudo pedido pelo próprio Executivo português.
Não há, nesta matéria, coincidências. A 7ª avaliação da Troika chega ao fim com um plano de reestruturação do Estado apresentado aos parceiros europeus e ao FMI que está perfeitamente em linha com este estudo. Rigor orçamental, travão na despesa, redução do peso do setor público e flexibilidade do mercado laboral são algumas das medidas que se encontram alinhadas com o atual cenário de austeridade, de redução de prestações do Estado e de corte dos chamados “direitos adquiridos” – sobretudo na função pública (mas não só) – que têm peso económico. A convergência entre segurança social pública e privada, um regime de despedimentos ainda mais fácil e mais barato, a redução das pensões dos funcionários do Estado, abrangendo os atuais pensionistas , e o fim generalizado das reformas antecipadas são algumas das medidas defendidas. E são mais do mesmo: ajudam a consolidar a “missão” do Governo, mas não trazem qualquer novidade.
Mas o programa da OCDE não se fica por aqui.
Em primeiro lugar, há uma clara preocupação com a necessidade de relançamento da economia. E essa preocupação é formulada não apenas por ser fundamental crescer para que o país regresse a um padrão de atividade económica e social “normal” e politicamente sustentável. É também porque esse crescimento é fundamental para garantir, no futuro, a saúde das contas públicas, dando sentido ao esforço de consolidação que tem sido imposto à sociedade portuguesa.
Mas, depois, é também diferente porque preconiza igualmente medidas de natureza “política”, no sentido em que defende propostas que, sem alterar a necessidade de cumprir com os números, apontam para objetivos de mudança da “substância” das coisas. Não é por acaso que a OCDE diz que Portugal precisa de uma “estratégia”, é porque o Governo português não é claro na definição de um qualquer caminho, coerente, para garantir o crescimento.
Nesta matéria, para garantir competitividade à economia portuguesa, são particularmente importantes as considerações da OCDE sobre política fiscal. Há aqui um caminho, coerente com tudo o resto, que passa pela redução dos impostos que são penalizadores do trabalho e da competitividade das empresas. E, com alguma ironia, a TSU (não a dos “pensionistas” e do “cisma grisalho”, mas a verdadeira taxa social única) volta a estar em cima da mesa, para ser desagravada. Uma medida fundamental, aliás, para se conseguir, a par do estímulo empresarial, inverter o assustador crescimento do desemprego.
E, desta vez, a TSU não baixa para as empresas com mais TSU paga pelos trabalhadores. Pagam todos, sob a forma de mais IMI (será que a OCDE está consciente de que as receitas do IMI baixariam drasticamente caso o valor patrimonial estimado pelo Fisco para os imóveis tivesse alguma colagem com a realidade atual dos preços de mercado?) de mais IVA (mais produtos à taxa máxima) e ou de novos impostos “verdes”.
Para quem tinha ilusões, esta proposta da OCDE para Portugal continua a ser um programa liberal para juntar a vários outros. E nunca haverá alternativa enquanto o quadro global, o quadro envolvente, sobretudo o europeu, for o que hoje existe. Mas tem, claramente, a vantagem de ser mais liberal, a toda a linha.
A verdade é que, no atual cenário, o liberalismo só existe no lado da despesa. Nas receitas, nunca houve um Estado com mão tão pesada. Já é tempo de dar companhia ao homem do fraque.