Usain Bolt é uma dádiva para o atletismo, não só pelo interesse que fez despertar para a modalidade como pela visibilidade que dá a outros atletas. Mesmo que o faça, por vezes, de forma involuntária.
Cerca de meia hora depois de ter terminado a final dos 100 metros, a sala de conferências de Imprensa, no piso térreo do Estádio Olímpico de Londres, começou a encher-se de jornalistas, sabedores de que uma das regras dos Jogos é que os três vencedores de cada prova estão obrigados a apresentar-se perante a comunicação social a seguir à competição, fora da confusão habitual da zona mista. Resultado: nunca as medalhadas do triplo salto feminino (de nações como o Cazaquistão, Ucrânia e Colômbia!) tinham tido tantos jornalistas a acompanhar as suas declarações. E à medida que as conferências iam decorrendo, a sala ia-se enchendo cada vez mais e mais, pois nenhum jornalista queria perder o lugar para “programa principal da noite”. Foi a sorte dos medalhados dos 3000 metros obstáculos – onde o vencedor, o queniano Ezekiel Kemboi demonstrou, com o seu poder de comunicação, porque já lhe chamaram o “mini Bolt” – das raparigas dos 400 metros e até dos rapagões do lançamento do martelo, que aproveitaram tanta gente à sua frente para se queixarem do facto da sua disciplina continuar ausente dos meetings da chamada Diamond League.
A verdade é que a sala só estava cheia por causa dos medalhados dos 100 metros. Ou antes, por causa de Usain Bolt, o alvo, durante cerca de 20 minutos, de 90% das perguntas de um batalhão de repórteres que, em muitos casos, não conseguiam esconder a sua condição de fans do jamaicano: aplaudiram a sua entrada na sala, tiravam-lhe fotos com os telemóveis, pediam-lhe autógrafos…
Só que, prestes a fazer 26 anos, Bolt já sabe como dominar qualquer ambiente, com a sua presença, com seus esgares cómicos, com os seus olhares intimidatórios quando é caso disso. E sabe muito bem como prolongar o seu carisma das pistas para as salas de Imprensa. É capaz de se rir quando lhe fazem perguntas óbvias – “Já lhe disse que odeio os 400 metros, nunca ninguém me vai ver a corrê-los, você deve ser a única pessoa nesta sala que não sabe disso”, responde, fazendo soltar uma gargalhada geral – como esconde a cara quando lhe perguntam o que tem andado a comer ao pequeno almoço.
O que lhe interessa, acima de tudo, é que em cada corrida e em cada encontro com os jornalistas fique claro o que ele pretende: “Esta final dos 100 metros foi mais um pequeno passo para me tornar uma lenda, que é o objetivo máximo que eu procuro na minha carreira.” Tudo o resto, são quase pormenores.
Bolt reconheceu que foi na enorme ovação que recebeu do público, em Londres, na apresentação dos atletas para a final, que começou a ganhar a prova. “Quando ouvi aqueles aplausos, os gritos de um estádio inteiro a puxar por mim, pensei: ‘Ok, estou pronto para isto. Hoje vou ganhar.'”.
Esse aplauso libertou-o, deu-lhe a confiança com que voou pela pista, de acordo com os planos estabelecidos com o treinador. “Todos sabem que eu não parto bem, e o meu treinador disse-me para eu não me preocupar com isso, apenas executar a saída de forma regular. Depois, só tinha que estar nos 50 metros entre os primeiros. Foi o que aconteceu, lá estava eu entre os rapazes. Só que os últimos 50 metros são sempre meus, é aí que eu ganho as corridas, como mais uma vez aconteceu.”
“Pela primeira vez, havia muita gente a duvidar de mim, a perguntar se eu seria capaz”, continuou. “Só que eu estava muito entusiasmado em defender o meu título. E aquelas duas derrotas que sofri com o Yohan Blake, nas qualificações jamaicanas, fizeram-me acordar: ‘É pá, isto são os olímpicos’. Felizmente acordei a tempo. E provei que contínuo a ser o melhor do mundo.”
Em vésperas do 50.º aniversário da independência da Jamaica, que se celebra a 6 de agosto, Usain Bolt enviou uma saudação especial para os seus compatriotas. E assumiu que não se importa de ser um exemplo para os mais novos. Até com orgulho: “Os miúdos sabem que eu trabalho muito, que me esforço muito para estar a este nível. Sabem que eu dou tudo o que tenho em competição. Eles não podem ser todos os mais rápidos do mundo, mas se também derem tudo o que têm, se estudarem ao máximo, podem ser bons profissionais, ser bons médicos, bons engenheiros, bons atletas, tudo o que quiserem. É esse o meu exemplo!”