A Igreja Católica esteve, esta semana, nas primeiras páginas. De Espanha, o Papa Bento XVI saiu com sentimentos divididos, entre o entusiasmo de milhares de fiéis e os milhares de lugares vazios em, pelo menos, uma das missas celebradas – para não falar das manifestações hostis. Por cá, a Conferência Episcopal quase apelou à desobediência civil…
Se o Papa comparar a receção que teve em Portugal com a que o esperou em Espanha, há de cobrir de indulgências os portugueses e excomungar os espanhóis, o que quer que isso represente para o nosso prestígio ou felicidade. Bento XVI esteve em duas províncias autonómicas tradicionalmente contestatárias do poder central castelhano – na Galiza e na Catalunha – e evitou Madrid. À chegada, criticou os ataques à Igreja, alegadamente perpetrados pelo Executivo espanhol. Fez o seu papel, usando da sua liberdade de expressão para defender os pontos de vista da instituição que representa. Em Espanha, sobretudo desde a Guerra Civil, existe uma divisão histórica entre uma Igreja muito reacionária, que metade da população segue beatificamente, e uma outra metade da sociedade, “mata-frades”, que nunca perdoou o alinhamento com Franco. Lá, como cá, é cada vez mais fácil falar grosso, no Governo ou na rua, contra a Igreja, porque ela se tornou uma instituição acossada, com influência diminuta e sem poder temporal nem capacidade de ripostar. Muito diferente, por exemplo, do poder financeiro…
Em Portugal, com uma igreja mais acomodada, conciliatória e plural, diplomática face ao poder político, as hipocrisias – mas também a convivência – são mais fáceis. Ora, o texto que acaba de sair da Conferência Episcopal representa um corte radical, sem precedentes, neste estado morno de coisas. É um documento duro, lúcido e… inédito, no confronto que procura com o poder político: a Igreja pede resistência ao Orçamento!
Os bispos que, aqui, se aproximam, politicamente, de franjas da sociedade que habitualmente os combatem, atiram-se ao Governo, mas também ao maior partido da oposição. Tornam-se uma re-edição institucional da voz isolada do antigo bispo de Setúbal, D. Manuel Martins. Perguntam, explicitamente: “Sem o testemunho, nem os exemplos das lideranças, como se poderá pedir sacrifícios às pessoas?” Mais adiante, estranham “a falta de verdade nos centros de decisão”, a “ausência de vontade de solucionar os desafios atuais” e a “ânsia obsessiva do lucro”. A Igreja conhece melhor do que ninguém a realidade no terreno – e costuma estar lá para ajudar. Fala, enfim, com autoridade: no último ano, acudiu a centenas de milhares de pedidos de socorro e viu crescer a miséria pura e dura que políticos e gestores, públicos e privados, viajando atrás de vidros foscos, ignoram completamente.
Mas a Igreja – que reage, também, por lhe baterem à porta algumas das medidas de austeridade… – bem podia virar-se para a sua própria casa, e começar por aí: pelos empresários, banqueiros, políticos, patrões, elites que batem com a mão no peito, na eucaristia dominical, mas que despedem, exploram, agem com ganância ou legislam contra o povo, cá fora. Toda a gente sabe quem eles são. A igreja que os pressione: está na hora. E sobre isto, para já, nem uma palavra.