Primeiro caso: foi no pequeno ecrã, contracenando com Pedro Santana Lopes, que o então discreto José Sócrates granjeou uma aura de credibilidade e popularidade que o levou a liderar o PS e o País. Por ironia, foi Santana quem, assim, apadrinhou a entrada, em casa dos portugueses, do metódico debutante socialista.
Segundo caso: nos jogos de Portugal, no Mundial da Alemanha, em 2006, Marcelo Rebelo de Sousa, que não falhou um, era vitoriado pelos adeptos, à porta dos estádios, como se de um jogador se tratasse. Pediam-lhe que se candidatasse à Presidência da República. O homem que perdeu Lisboa para Sampaio e enfrentou dificuldades, no PSD, que o levaram à demissão de presidente do partido, tinha acabado de ser relançado, na aceitação quase unânime da opinião pública, pelas suas prédicas semanais na televisão.
Terceiro caso: até Garcia Pereira mantém viva uma peça de museu chamada MRPP graças à sua presença assídua na televisão, bem superior, em decibéis, à expressão eleitoral da ideologia que oficialmente professa.
Em Portugal, a análise política confunde-se com a propaganda, sem que o eleitor incauto tenha a possibilidade de distinguir uma da outra. O panorama opinativo está cheio de políticos, daqueles que vão a todas, aparecem em todo o lado, escrevem em toda a parte, tão depressa envergando as vestes do militante partidário, deputado ou dirigente, como vestindo a capa do comentador distanciado. O facto de certos comentadores, como o próprio Marcelo, António Vitorino ou, sobretudo, José Pacheco Pereira, aparentarem uma independência de espírito que lhes permite fugir ao estilo cassete, confere a este tipo de comentário uma capacidade de influência decisiva na formação da opinião. Por momentos, esquecemo-nos de que aquelas personagens estão ali com uma agenda própria, debitando mensagens pré-preparadas, para defender interesses de conveniência político-partidária. Este comentarismo de marca, de onde está geralmente ausente o PCP, porque, alegadamente, os seus representantes, amarrados a uma linguagem de colectivo, não pensam pela própria cabeça, atingiu o seu expoente máximo com as lições do prof.
Marcelo, na TVI, originadoras de uma crise que em muito contribuiu para a queda do Governo de Santana Lopes.
Sócrates lembra-se bem. Foi também por isso que chegou a primeiro-ministro.
Em ano de pré-campanha para as Presidenciais, de escolha da liderança do PSD e de arranque de um Governo de maioria relativa, o tempo de antena de Marcelo Rebelo de Sousa (ele próprio um putativo candidato a líder da oposição ou a Belém?) no principal canal do Estado era-lhe quase insuportável. A suspensão do programa As Escolhas de Marcelo desencadearia uma tempestade política. Mas a saída, por vontade própria, de António Vitorino, da RTP, resultou numa feliz coincidência, que permite dispensar, de caminho, o professor, com o pretxto de uma remodelação do formato do comentário político. Finalmente, a estação pública implementará as virtudes de um “maior equilíbrio”.
Sem qualquer ofensa para os visados, mas usando uma imagem tauromáquica, o fim do programa Notas Soltas, de António Vitorino, permite, na prática, ao dirigente socialista fazer de cabresto: retira o touro da arena. E sem fazer sangue.