Do ponto de vista das ideias, do debate, da análise da situação actual, do contributo para a afirmação de um projecto político próprio, o Congresso do PS não aqueceu nem arrefeceu. Foi zero… Zero mesmo como contributo para a acção e as propostas do partido de Governo. Como era previsível, condiz com a tendência cada vez mais dominante nestes acontecimentos/rituais e decerto corresponde mesmo aos propósitos de José Sócrates. De Sócrates e dos socialistas de que é o líder mais absoluto ou incontestado de sempre, não obstante ter como antecessores figuras de outra dimensão humana e política, com outro perfil e currículo (profissional, cultural, cívico), do “fundador” Mário Soares a Jorge Sampaio, passando por Vítor Constâncio e António Guterres. E isto quer dizer alguma coisa.
O que o Congresso antes de tudo pareceu visar, o que numa vulgar lógica partidária bem se compreende, foi reforçar o PS através de uma grande operação de marketing político: mostrando capacidade, unidade, coesão, imagem vencedorade partido de poder, o único apto a exercê–lo, dando garantias de estabilidade, num ano de gravíssima crise em que vai haver três actos eleitorais. Numa sociedade de espectáculo, em que a própria informação, nas televisões que para este efeito são o que mais conta, é também espectáculo, o PS de Sócrates soube prepará-lo com um profissionalismo e, nessa óptica, uma eficácia, que não têm nada a ver com o improviso ora simpático ora trapalhão de um passado não distante. E, embora sem emoção, sem alma, a esse nível o Congresso foi um êxito.
Êxito para o qual contribui o contraste com a actual imagem do PSD. Um PSD sem chama, dilacerado por divisões internas, com um candidato a líder já à espera. Enquanto os conflitos no PS aparentemente não existem ou não têm expressão a não ser através de Manuel Alegre, que optou por estar ausente. O que, por um lado, se compreende: no conclave de Espinho, Alegre nem poderia alinhar na entronização de Sócrates nem poderia defender consistentemente políticas diversas ou caminhos alternativos. Mas, por outro lado, mostra a via estreita e de saída cada vez mais difícil em que se encontra, numa situação que se agravou ou complexificou com o frontal ataque de António Costa ao BE, de uma agressividade em cuja base não é difícil encontrar o “caso” Sá Fernandes, na Câmara de Lisboa.
Tal ataque, além de matar em definitivo quaisquer hipóteses de acordos, mesmo autárquicos, com o BE (quando os com o PCP também já surgiam inviáveis), tornou claro que o PS teme em particular a perda de votos para os bloquistas. Atacando-os como fez, assumindo uma ou outra das suas “bandeiras”, ensaiando algumas piscadelas de olho à esquerda e sobretudo mostrando que, caso não tenha maioria absoluta, não fará uma aliança pós-eleitoral com o BE, assim tirando sentido a quem nele votasse para a forçar, o PS espera evitar essa potencial sangria.
O objectivo maioria absoluta nas legislativas foi, aliás, uma espécie de “refrão” do Congresso, que se vai manter. Ao insistir nela, o PS reforça a ideia de que, além de indispensável ou pelo menos desejável num momento de crise, tal maioria é possível e mesmo provável – e nem existe a possibilidade de o PS não ganhar, embora sem essa maioria… Tal “clima”, além de mobilizador do eleitorado socialista, permitiu a Sócrates uma postura de “humildade democrática” com a qual não costuma ser identificado, ao declarar que aceitaria governar mesmo sem aquela maioria.
De resto, Sócrates mostrou a habitual capacidade oratória e de transmitir uma imagem de convicção. Vital Moreira como cabeça de lista do PS nas europeias tem virtualidades e à partida beneficiou do efeito surpresa, as autárquicas vão ter alguns “casos” complicados por lutas intestinas (como o de Viana do Castelo), e daqui até às legislativas ainda muita água correrá sob as pontes, influenciando decisivamente os seus resultados.