Nasci em Angola, no Huambo. Vim para Portugal aos 8 anos, em 1978, com os meus pais e a minha irmã, mais nova. Fomos viver para Viseu, o que foi um choque para mim, que me marcou bastante. Não sabia o que era o frio, nem nunca tinha visto pessoas encasacadas que não falavam umas com as outras.
Mas sempre gostei de artes, por a minha mãe as trazer muito para a nossa casa – ela desenhava e pintava. Aos 18 anos, vim para Lisboa, para tirar Pintura e Design Gráfico no Ar.Co [Centro de Arte e Comunicação Visual]. Ainda antes de terminar a minha formação, num dos fins de semana que fui a Viseu, disse a uns amigos que tinha aprendido umas técnicas e que queria pintar-lhes os braços. Consegui pintar os de alguns deles e fotografei-os. Uma brincadeira de experimentação.
Quando voltei a Lisboa, mostrei as fotografias a uma tia minha, que tinha uma galeria. Ela deixou as fotos esquecidas numa secretária, e a Catherine Palmeiro, maquilhadora que na altura tinha fundado a L’Agence, empresa de modelos – ela e a minha tia eram muito amigas –, viu-as e gostou delas. A minha tia disse-lhe que aquele trabalho era meu. A Catherine pediu-lhe então que me perguntasse se queria fazer um curso de formação de maquilhagem, para trabalhar com ela na L’Agence. À época estagiava num atelier de design gráfico e recusei a proposta. Pensei: “Não tenho nada a ver com maquilhagem, eu própria não me pinto.”
Mas, pouco depois, saí do atelier de design gráfico, porque era explorada, e fiquei na encruzilhada de: “O que faço e para onde vou?” E voltou a surgir, em 1992, a sugestão de frequentar um curso de formação de maquilhagem e caracterização, financiado por um fundo europeu, em que uma das matérias, por exemplo, era História de Arte. Fui convencida a experimentar. Ainda por cima, era remunerado e eu estava sem trabalho. Precisava de ganhar dinheiro para me sustentar.
E gostei imenso do curso. Descobri uma nova faceta e a Catherine chamou-me para trabalhar na L’Agence. Depois, fui convidada para integrar a equipa da série Riscos [RTP 1, 1997], pela maquilhadora que ia chefiar a caracterização. A série teve imenso êxito, e ali comecei a ganhar o gosto pela ficção – a construção de personagens, o trabalho com os atores… Nos Riscos, tive a sorte de conhecer muitos atores jovens, formou-se ali uma equipa que vem até hoje. Começámos todos muito novos e a série foi também uma escola para nós; o modo de trabalhar era muito diferente do que se fazia antes. Foi uma espécie de berço de atores e técnicos em início de carreira.
“PERCEBER AS INSEGURANÇAS”
Nos Riscos também estavam a Alexandra Lencastre e o Rogério Samora, duas pessoas com personalidades superintensas. E logo a seguir, no Médico de Família [SIC, 1998-2000], conheço a Rita Blanco. A minha estratégia para lidar com estas pessoas já com muita experiência foi sempre a de observar antes de falar. Perceber como são, as suas inseguranças, porque é que às vezes estão mais ou menos intensas, abordá-las com cuidado, não lhes impor nada, e indo assim conquistando-as. É preciso perceber que acontece os atores estarem a encarnar personagens mais dramáticas e isso mexe com eles. E quando se começa a criar laços de amizade, as coisas tornam-se mais fáceis.
Nunca mais parei. Da Endemol, onde trabalhei de 1997 a 2000, saí para a NBP, que é agora a Plural. Aí fiz a Joia de África [TVI, 2002-2003] e imensas novelas, e passei a ser uma maquilhadora que gostava de “meter as mãos na massa”. Não sendo cabeleireira, gosto de visualizar os cabelos, o que fica melhor, das cores ao penteado. Comecei a criar o todo, desde a cor das unhas a bigodes, barbas e cabelos. Formei, então, uma equipa que trabalha sempre comigo nas criações.
Indo a um exemplo mais próximo, A Promessa [em exibição na SIC] é uma novela da SP – produtora onde estou desde a fundação, há 17 anos – em que existe uma família rica e uma família pobre. É uma narrativa tipicamente tradicional, em que estão bem distintos os estratos sociais, e, claro, é preciso que isso se note. A família mais pobre vem de Trás-os-Montes e é necessário que tenha um visual mais rural, menos estruturado. É a partir daí que vou construir os “bonecos”. Para cada personagem feminina, vou pensar quais são a cor do cabelo, o penteado, a maquilhagem, se vai ou não ter cor de unhas. Nos homens, se vão ter barba, que tipo de cabelo vão usar, se vão ser carecas, se vão ter só bigode ou uma barba mais pesada, se vão ter barba por fazer…
Depois, ao longo da novela, há que pensar, em relação a uma personagem feminina, por exemplo, quais podem ser as variantes do visual com que começou. Se andar de cabelo preso, o que pode usar? Em que situações pode estar sem maquilhagem? É a construção de um “boneco” num todo, para durar oito meses de novela.
Mas essa é só a primeira parte da preparação de um projeto, antes do arranque das gravações. Existe sempre muita pressão. Entre o fim de uma novela e o início de outra, não chegamos a ter uma semana para respirar. E a maquilhagem é uma sala de terapia. Às oito da manhã, somos os primeiros a chegar para as gravações, assim como os atores, que se sentam nas nossas cadeiras e descarregam tudo e mais alguma coisa.
Os atores são pessoas muito intensas, que precisam de muita atenção e, com frequência, é necessário tomar de manhã o comprimido da paciência [Risos]. O certo, porém, é que gosto muito de trabalhar com eles. Nem todos aceitam as nossas abordagens, ou o que a gente pensa, mas tentamos sempre levar as coisas a bom porto, para que ambos os lados fiquem satisfeitos.
Quanto a cinema, até agora só fiz o Bem Bom [biopic sobre as Doce]. Também para mim o filme foi bom: com ele ganhei o Prémio Sophia 2022 de Melhor Maquilhagem e Cabelos. Vi reconhecidos mais de 30 anos de trabalho.