*** Paulo Dias Figueiredo, da Agência Lusa ***
Kinshasa, 07 Abr (Lusa) – O povo da República Democrática do Congo é “pacífico”, mas a paz na maioria do país é ainda “podre”, devido à incapacidade operacional das Forças Armadas, afirma Hélder Costa, o português por detrás da formação de 50 mil militares congoleses.
“É uma paz podre. Pode estar tudo muito bem, mas só porque anda tudo nas pontas dos pés. Se alguém tira a carta de baixo [do castelo de cartas] isto pode descambar”, afirma Costa, conselheiro da missão da União Europeia para apoio à reforma das Forças Armadas congolesas (Eusec).
Coordenador do centro de operações conjuntas da Eusec, que faz desde 2005 a planificação dos movimentos combatentes tendo em vista integrá-los nas forças armadas, Hélder Costa interveio na constituição de 15 batalhões congoleses, com perto de 50 mil homens.
Para já, diz, “é muito complicado dizer quando as Forças Armadas estarão prontas”.
“Se olharmos para os documentos oficiais, têm projectos para 2020, mas os mesmos documentos também falavam que em 2007 devia haver forças de reacção rápida, de cobertura, nomes muitos pomposos, mas os conceitos não são bem os mesmos”, afirma.
“Uma força de reacção rápida para eles é uma força bem treinada, pronta para utilizarem. Não é bem o conceito europeu”, diz o conselheiro da Missão de Aconselhamento e Assistência para a Reforma do Sector de Segurança da RDC, iniciada em Junho de 2005.
Tenente-coronel do Exército português, anteriormente colocado no Ministério da Defesa, Costa foi um dos pioneiros da missão na RD Congo, fez um interregno em 2006, e regressou no ano passado.
“Meter isto tudo no bom caminho não é num futuro muito próximo realizável. Espero que ande mais rápido que à primeira vista os dados deixam entender”, afirma.
Hélder Costa assume que a situação é de “insegurança”, dado que as tropas congolesas ainda não conseguem garantir a defesa efectiva do país, do tamanho da Europa Ocidental.
“Estas forças vinham de vários lados, alguns com formação militar, outros nunca tinham feito tiro da vida, atiravam com a arma por cima da cabeça. Tiveram uma formação de seis semanas. Para formar uma brigada de 3.500 homens nesse tempo com alguma capacidade operacional só mesmo com um milagre”, diz.
A “pressa” de integrar, afirma, fez com que alguns militares ficassem sem vencimento ou mesmo sem comer, o que contribui para a aumentar a “tensão”.
Apesar de tudo, considera, o povo congolês é “pacífico” e “humano”, mesmo com todas as atrocidades que viveu e o país, composto por centenas de etnias diferentes, está a salvo de uma “balcanização”.
“Isso aqui não é problema [juntar antigos inimigos num mesmo batalhão]. São todos irmãos, todos do mesmo país, com um sentido de unidade nacional extraordinário. Jamais falar na balcanização do Congo. Para eles, é uma coisa impensável”, declara.
Ser português foi “uma ajuda” na sua missão, até porque os laços históricos a Portugal são valorizados e muitos oficiais superiores congoleses falam português, aprendido durante a Guerra Civil de Angola, nomeadamente em unidades conhecidas como os “tigres katangueses”.
“Dizemos que o português é um indivíduo desenrascado. Mas nem é por isso, somos bem aceites”, afirma.
Antes do Congo, o tenente-coronel do Exército tinha estado em Angola na cooperação portuguesa, e pretende continuar pela estrada africana, apesar de não ter decidido em relação à continuidade em Kinshasa.
“Passa-se por toda a África este processo [de desmobilização pós-conflito], infelizmente está sempre a acontecer. Os conflitos são mais que muitos e depois de um é preciso fazer as reformas. Se não ficar aqui, tentarei outros países, com outros modos de vida”, afirma.
Trazido para África pelo “desafio” e pela convicção de que “ter a carreira encaminhada não é tudo”, Hélder Costa diz ter aprendido com os africanos a “compreensão e paciência”.
“Qualquer coisa que aconteça, hoje tento ver o porquê. Jamais chegar aqui e impor a nossa vontade”, considera. Afinal, questiona, “quais são os padrões correctos: os nossos ou os deles?”.
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