À porta do auditório onde decorre a II Gala da IASA, associação sediada no Luxemburgo que promove a cultura chinesa na Europa, encontram-se, pela primeira vez, o guitarrista português Henrique Leitão e o multiinstrumentista chinês Jusquinblinge. Nenhum deles fala a língua do outro, nem encontram qualquer idioma em comum a não se o da própria música. A curiosidade é múltipla. Jusquinblinge quer saber daquele instrumento exótico, de 12 cordas, e afinação fora dos padrões que Henrique carrega nos braços. E Henrique, claro, quer desvendar o cordofone que parece ser mais do que uma simples guitarra. Começam então os dois a tocar, numa jam de hall de hotel, com um entendimento fácil, sons que lembram os blues, acompanhados pelo cantar ventríloquo do asiático, que, como percebemos mais tarde, usa todo o corpo para fazer música.
Mais tarde, ao serão, já depois dos espetáculos, o talentoso músico brasileiro Nilson Dourado, que vive em Portugal há mais de uma década, alinhou numa espécie de jam, em que a sua viola de samba se cruzou, docemente, com um instrumento de arco chinês. É como se os continentes se unissem.
O fado foi um dos convidados de honra da Gala. E foi aplaudido com entusiasmo por um público maioritariamente chinês que vive ou se deslocou ao Luxemburgo. Mas para quem chegou do ocidente próximo, a Gala provocou uma sensação de deslumbramento pelo encontro com um mundo novo, uma cultura distante, com a qual é possível e desejável construir laços e pontes. Até porque a tecnologia ajuda. Na falta de uma língua em comum, as conversas fazem-se em ritmo pausado com o auxílio das aplicações de tradução dos telemóveis. A mensagem chega lá.
A China, ao longo das últimas décadas, tem ganho uma preponderância cada vez maior nas nossas vidas, com uma expansão económica exponencial, que pôs definitivamente em causa a hegemonia americana. É um crescimento discreto, mas preponderante. Contudo, essa expansão económica não foi acompanhado por um movimento cultural. O nosso mundo continua dominado de forma pela cultura americana, desde as séries da Netflix e HBO às grandes estrelas da música pop, passando, claro está, pelo inglês, que se consolidou como língua franca. Escapa-nos toda uma cultura ancestral, partilhada e aplaudida por uma população de quase um bilião e meio, correspondente a mais de um sexto da população mundial.
Claro que há diferenças culturais de raiz, de duas civilizações que cresceram ao longo dos séculos com bases referenciais distintas. Mas os avanços civilizacionais são feitos de encontros. Transformar a globalização num instrumento de consolidação de hegemonia cultural é demasiado perigoso. A riqueza sempre esteve na diversidade. É tempo de olharmos para o mundo ali ao lado.