Os pianistas András Schiff, Pierre-Laurent Aimard, Pedro Burmester e Mário Laginha, o cravista Pierre Hantaï, o violoncelista Steven Isserlis e os ensembles Ludovice, Officium e Arte Mínima são alguns dos grandes intérpretes dos festivais de música que, ao longo de junho e julho, vão acontecer de norte a sul do país.
Além da presença inédita em Portugal de músicos e formações como o Concerto Copenhagen, haverá também estreia de novas obras de compositores portugueses, como António Pinho Vargas e Andreia Pinto Correia. O centenário do nascimento de Joly Braga Santos e o da morte de Franz Kafka também são lembrados.
Um programa capital em Sintra
A 58.ª Edição do Festival de Sintra soma 22 propostas, entre concertos, caminhadas-concerto, concertos ao nascer do sol e à meia-noite, que se estendem por diferentes locais do concelho, durante dez dias, a partir de quinta-feira, dia 13. Com direção artística de Martim Sousa Tavares, a programação conta com muito.
Por exemplo: o violoncelista Steven Isserlis, os pianistas András Schiff, Roman Lopatynskyi e Joana Gama, mais a música de João Godinho, os espíritos da afirmação do Romantismo pelo DSCH – Schostakovich Ensemble, as pontes construídas entre passado e presente pelo Manchester Collective, a estreia moderna de uma oratória de Gaetano Maria Schiassi pelo Ludovice Ensemble, expoentes da polifonia portuguesa dos séculos XVI-XVII, pelo Officium, a revisitação do universo de Sophia de Mello Breyner Andresen por Eurico Carrapatoso, e Franz Kafka, por Philip Glass, na leitura de A Colónia Penal.
A ópera sobre o conto do autor de A Metamorfose vem do ano 2000. Fala da pena de morte, porque há um mecanismo de execuções na colónia penal, e há também um condenado prestes a testá-lo. Mas, na verdade, o que o conto explora – e por extensão o libreto de Rudy Wurlitzer – são questões de humanismo, idealismo, transfiguração, na base da conversa que há de acompanhar a récita, sobre o mundo e a distopia de Kafka, com os historiadores Irene Flunser Pimentel e Rui Tavares, a escritora Joana Bértholo, o maestro Martim Sousa Tavares, que dirige a obra, e a moderação do jornalista Paulo Farinha.
A interpretação conta com o barítono André Henriques, o tenor Frederico Projeto, os atores João Gaspar, Tomás Vinhas e Paulo Quedas. A encenação é de Miguel Loureiro, a cenografia de Miguel Guedes e os figurinos de José António Tenente.
O nome de Gaetano Maria Schiassi será hoje menos conhecido, mas foi um dos compositores-chave da corte dp rei João V. Nascido em Bolonha, em Lisboa viveu e por aqui compôs durante a década de 1730. Muita da sua obra terá sido destruída pelo Terramoto de 1755, facto que só sublinha a importância da estreia moderna da oratória “Maria Vergine al Calvário”, para orquestra, coro e três solistas.
A investigação permite dizer que foi a primeira oratória escrita em Portugal, dentro dos padrões do Barroco tardio italiano. A interpretação é do Ludovice Ensemble, de Fernando Miguel Jalôto, responsável pela recuperação da obra, que conta com a soprano Eduarda Melo, o contratenor Gabriel Diaz e o tenor Fernando Guimarães, um dos mais internacionais dos cantores portugueses da atualidade.
A estreia de Maria Vergine al Calvário acontece nos 20 anos do Ludovice Ensemble, agrupamento dedicado ao resgate do repertório dos séculos XVII e XVIII através de abordagens historicamente informadas.
O Officium Ensemble, de Pedro Teixeira, oferece outro dos momentos maiores do festival: um concerto inteiramente dedicado à polifonia da Escola de Évora, a começar pela “Missa pro defunctis”, de Manuel Cardoso, seguida de motetes de Duarte Lobo, Pedro de Cristo, Francisco Martins e Estêvão Lopes Morago, sob o lema “Ad Tenebræ”, “rumo às trevas”.
O pianista ucraniano Roman Lopatynskyi estreia-se em Portugal com o programa “Um piano pela paz”, que parte dos Cinco Prelúdios de Boris Lyatoshynskyi, escritos em 1943, em plena II Guerra Mundial, num gesto de resistência à invasão nazi, e segue por Frédéric Chopin (Noturno n.º 20 e Balada n.º 2) e pelos Estudos Sinfónicos, Op.13, de Robert Schumann. Roman Lopatynskyi, que nasceu em Kiev já depois da independência ucraniana, soma alguns dos mais importantes prémios da sua geração e mantém-se a viver no país em guerra.
A 58.ª Edição do Festival de Sintra soma 22 propostas, entre concertos, caminhadas-concerto, concertos ao nascer do sol e à meia-noite, que se estendem por diferentes locais do concelho
O violoncelista Steven Isserlis e a pianista Connie Shih propõem “Ligações Reencontradas”, através das sonatas para violoncelo e piano Op. 5, n.º 1, e Op.102, n.º 2, de Beethoven – obras vindas do período inicial e da maturidade do Mestre de Bona -, com as Três peças para violoncelo e piano de Nadia Boulanger, a Sonata Op.117, de Gabriel Fauré, e os celebrados “Lieux retrouvés”, do contemporâneo Thomas Adès. São mais de 200 anos da história da música europeia em dois instrumentos.
O DSCH – Schostakovich Ensemble, de Filipe Pinto-Ribeiro, por seu lado, centra-se no Trio Op. 70, nº 1, “Os Espíritos”, de Beethoven, e no Quinteto em Lá Maior, “A Truta”, de Franz Schubert.
O diálogo passado-presente marca igualmente a proposta do Manchester Collective, com o ‘contratenor revelação’ Hugh Cutting, através da cantata sacra “Widerstehe doch der Sünde” BWV 54 (“Resistir ao pecado”, em tradução livre), de Johann Sebastian Bach, e do seu “Et Exultavit”, do Magnificat BWV 243, com obras de Arvo Pärt (“My Heart’s in the Highlands” e “Vater Unser”), Dobrinka Trabakova (“Insight for String Trio”), Edmund Finnis, (Quarteto de Cordas “Brother”) e árias de Henry Purcell.
O conto A Noite de Natal, de Sophia de Mello Breyner Andresen, terá uma leitura encenada com música de Eurico Carrapatoso e ilustrações de Mariana, a Miserável. A pianista Joana Gama irá falar de tudo ou quase tudo, em “Pássaros e Cogumelos”, que concebeu, com música original de João Godinho e ilustrações e cenário de Francisco Eduardo.
O Quarteto Modigliani faz a abertura do festival, com um programa dedicado a Itália, cruzando o jovem Mozart, e um dos seus quartetos compostos algures entre Veneza e Milão, com leituras de Puccini, Verdi e da “Serenata Italiana” de Hugo Wolff. O pianista András Schiff tem “carta branca” para encerrar o festival no próximo dia 23.
Celebrar a Liberdade em Espinho
O Festival Internacional de Música de Espinho (FIME) cumpre 50 anos na edição que tem início na próxima sexta-feira, dia 14, e decorre até 22 de julho.
A música erudita, que marcou a maioria dos seus programas, continua a abrir-se ao jazz, e combina assim nomes como os de Paquito D’Rivera e Uri Caine, com Pedro Burmester e Mário Laginha, Pierre Hantaï e Pierre-Laurent Aimard. O jazz, aliás, faz a abertura, com o pianista cubano Omar Sosa e a Orquestra de Jazz de Espinho, e marca também o encerramento, com a voz de Dee Dee Bridgewater. Pelo meio há muito a desvendar.
Mário Laginha e Pedro Burmester “celebram a Liberdade” com arranjos de canções de José Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto, assinados por Laginha, Bernardo Sassetti e João Vasco, a que juntam a estreia de uma obra de Luís Tinoco.
No cartaz segue-se o violinista Daniel Rowland, que tem seguido uma carreira firme de solista e foi concertino da Orquestra Gulbenkian numa das etapas iniciais do seu percurso. Propõe obras de Vivaldi e Osvaldo Golijov e ainda as “Quatro Estações” de Vivaldi, revisitadas por Max Richter, com a Orquestra Clássica de Espinho (OCE), que dirige.
Pierre Hantaï revisitará Johann Sebastian Bach em cravo, assim como Avi Avital e Omer Klein, que o fazem em bandolim e piano. Uri Caine aventurar-se-á pelo universo de Gustav Mahler com o FIME Ensemble, que noutro concerto, a pensar em públicos de todas as idades, irá oferecer “O Carnaval dos animais”, de Camille Saint-Saëns, o “Bolero” e “A minha mãe ganso”, de Maurice Ravel.
O Coro Gulbenkian, sob a direção de Inês Tavares Lopes, também irá a Espinho interpretar Bach, Félix Mendelssohn-Bartholdy, Josef Gabriel Rheinberger, Max Reger e Knut Nystedt. E Beethoven faz igualmente parte do programa, com a celebração dos 200 anos da 9.ª Sinfonia pela OCE, o Coro Sinfónico Inês de Castro e o Coro Viana Vocale, dirigidos por Joana Carneiro.
O festival conta ainda com o pianista Pierre-Laurent Aimard e a soprano Anna Prohaska, num recital dedicado às muitas canções de câmara de Charles Ives, pioneiro do Modernismo nos Estados Unidos da América, e a outras canções de Claude Debussy e Igor Stravinsky, pilares do Modernismo europeu.
O FIME, organizado pela Academia de Música de Espinho, propõe ainda a descoberta de outros universos, com músicos e agrupamentos como o Sissoko Segal Parisien Peirani, que conjuga kora, violoncelo, saxofone e acordeão, a violinista e compositora japonesa Hiromi, e o saxofonista e clarinetista cubano Paquito D’Rivera, que regressa ao festival acompanhado por Pepe Rivero, em piano, e Sebastián Valverde, em vibrafone.
Joly Braga Santos no Festival Estoril Lisboa
O centenário do compositor Joly Braga Santos, um ciclo de órgão com João Vaz e Roberto Fresco, a atuação do ClandesTrio, vencedor do Prémio Jovens Músicos de música de câmara, em 2023, e a estreia da ópera “O Rei vai Nu” destacam-se no cartaz do programa de verão do 50.º Festival Estoril Lisboa, que tem início no próximo dia 21 de junho e encerra um mês mais tarde, a 20 de julho, depois de passar por várias localidades do eixo Lisboa-Cascais.
Na abertura, o Ensemble Darcos, sob a direção do maestro Nuno Côrte-Real, interpretará a 5.ª Sinfonia de Mahler. No encerramento, o Focus Sax Quartet vai tocar obras de Guillermo Lago, Marcelo Zarvos, David Maslanka, Bobby Ge e Philippe Geiss.
Pelo meio haverá outras propostas, incluindo concertos no âmbito da iniciativa “Festival nas Freguesias”, com jovens intérpretes como o Duo Kontrast, o guitarrista Francisco Alcobia e grupos de câmara da Escola Superior de Música.
A homenagem a Joly Braga Santos (1924-2022) realizar-se-á em julho, em articulação com o Festival Ao Largo do Teatro Nacional de São Carlos/ Organismo de Produção Artística. São dois concertos com a Orquestra Gulbenkian, dirigida por Pedro Amaral, cujo programa inclui a Abertura n.º 2 e o “Staccato Brilhante” do compositor português, o “Scherzo Fantastique” do seu mestre, Luís de Freitas Branco, e duas suites de “El sombrero de tres picos”, de Manuel de Falla.
O centenário do compositor Joly Braga Santos, um ciclo de órgão com João Vaz e Roberto Fresco e a estreia da ópera “O Rei vai Nu” destacam-se no cartaz do programa de verão do 50.º Festival Estoril Lisboa
O ciclo de órgão conta com o espanhol Roberto Fresco, organista da Catedral de Santa Maria a Real, de Almudena, em Madrid, que vai fazer “Uma Homenagem a Haendel”, na Sé de Lisboa, através da leitura da sua obra por compositores mais recentes, de diferentes gerações, como Alexandre Guilmant, Clement Loret, Willian Thomas Best, Sigfrid Karg-Elert, Phil Lehenbauer e Carl Keister McKinley.
O organista João Vaz levará um programa para órgão, trompete natural e canto à igreja de S. Vicente de Fora, em Lisboa, com a soprano Eduarda Melo e o trompetista Bruno Fernandes, com obras de Haendel, Alessandro Melani, Giuseppe Antonio Paganelli, Gianbattista Viviani, Johann Sebastian Bach e Alessandro Scarlatti.
A ópera “O Rei Vai Nu”, de Marcos Lázaro, com libreto de Samuel Nobre, a partir do conto de Hans Christian Andersen, será estreada pelo Coro Projecto da Escola Artística do Instituto Gregoriano de Lisboa, sob a direção do compositor. E o ClandesTrio irá interpretar obras de Luís Tinoco, Béla Bartók e Giancarlo Menotti.
O festival, com direção artística de Piñeiro Nagy e assessoria de João Vaz, no ciclo de órgão, regressará de 16 de novembro a 14 de dezembro, com um “Programa de Outono” ainda a anunciar, com participação da Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras, da Orquestra Sinfónica Metropolitana, do agrupamento Ars Lusitana, da Capella de São Vicente, e de músicos como o pianista António Oliveira e os organistas André Ferreira e Thomas Ospital.
Concerto Copenhagen na Póvoa
A 46.ª edição do Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, que vai decorrer de 11 a 27 de julho, soma várias estreias de músicos e agrupamentos em Portugal, como as do Protean Quartet e do Trio Joubran. O concerto de abertura reserva desde logo uma dessas estreias, com uma das melhores orquestras barrocas da atualidade, Concerto Copenhagen, do cravista e maestro Lars Ulrik Mortensen.
O programa é marcadamente internacional, reunindo músicos como os irmãos palestinianos Samir, Wissam, e Adnan, a orquestra húngara Anima Musicae, com o violinista Barbanás Kelemen e a violetista Katalin Kokas, o violoncelista germano-alemão Nicolas Altstaedt, o cravista franco-americano Justin Taylor e o trompetista israelita Sergei Nakariakov, que vai atuar com a Orquestra de Câmara Portuguesa, dirigida por Pedro Carneiro.
O festival mantém a tradição de abrir com a conferência do musicólogo Rui Vieira Nery, e de ter o primeiro concerto no segundo dia. Realiza-se igualmente nova edição do Concurso Internacional de Composição da Póvoa de Varzim.
Este ano o concurso tem António Pinho Vargas como compositor convidado, o que significa a estreia de uma obra sua pelo Ensemble Contemporâneo, dirigido por Nuno Coelho, com o acordeonista João Barradas como solista.
A Orquestra XXI, sob direção de Dinis Sousa, mantém igualmente a sua etapa na Póvoa, desta vez para um concerto com a violinista Alena Baeva. O programa da orquestra, este ano, inclui o “Noturno para cordas”, de Joly Braga Santos, o Concerto n.º 2 para violino de Dmitri Shostakovich, e a 6.ª Sinfonia, “Pastoral”, de Beethoven. O quarteto residente Verazin irá atuar com a soprano Sara Braga Simões e o pianista João Araújo.
No último dia, no Parque da Cidade, haverá uma atuação conjunta do clarinetista António Saiote com o compositor e pianista António Victorino d’Almeida, seguida pela Banda Sinfónica Portuguesa, com o pianista Raul da Costa, diretor artístico do festival, e a fadista Katia Guerreiro. Os dois concertos assinalam os 50 anos da elevação da Póvoa de Varzim a cidade.
Na programação anunciada, que no início de junho, à data de fecho desta edição do JL, ainda não ia além dos nomes dos participantes, destaca-se ainda o quarteto do pianista Júlio Resende, com os Filhos da Revolução, programa sobre o seu último álbum, para o qual contou com Bruno Chaveiro, em guitarra portuguesa, André Rosinha, no contrabaixo, e Alexandre Frazão, em bateria.
Quando do lançamento do disco, no final de 2023, o pianista apresentou-o como “uma ode à paz, ao livre pensamento, à aniquilação da censura, uma celebração da liberdade nunca garantida, dos 50 anos da nossa Revolução dos Cravos e do fim das guerras coloniais”.
Valores de Abril nos Capuchos
Filhos da Revolução, de Júlio Resende, é também o próximo concerto do Festival de Música dos Capuchos, em Almada, marcado para a próxima sexta-feira. Iniciado a 29 de maio, com uma programação que se estende até 21 de junho, por diversos palcos do concelho, o festival tem os valores de Abril por referência, nesta quarta edição da nova fase, retomada em 2020.
Dirigido pelo pianista Filipe Pinto-Ribeiro, o Festival dos Capuchos mantém viva essa linha de democracia, liberdade e descoberta que presidiu a criação do festival em 1980, pelo médico José Adelino Tacanho, e que se manteve até à impossibilidade de prosseguir além de 2001, por falta de patrocínios e de apoios.
Este ano o encerramento vai contar com a estreia do Quinteto com Piano “Retrato”, de Andreia Pinto Correia, pelo DSCH – Schostakovich Ensemble, obra inspirada em Natália Correia, enquadrada pelos trios de Beethoven e Schubert que os músicos também vão levar a Sintra.
O concerto culmina uma programação que atravessa 500 anos de música, da Renascimento à atualidade, e que tem vindo a abordar, através das suas escolhas de repertório, a liberdade de compor, muitas vezes durante regimes ditatoriais, do passado e do presente.
Até ao final, o Festival dos Capuchos contará ainda com a atuação da Orquestra de Câmara de Berlim Metamorphosen, com o violoncelista Wolfgang Emanuel Schmidt, como solista e regente. Sob o tema “Metamorfoses de Liberdade”, interpretará as serenatas de Edward Elgar e Pyotr Tchaikovsky, assim como o Concerto para violoncelo e orquestra N.º 1, de Joseph Haydn.
Antes apresentar-se-á o pianista ucraniano Roman Fediurko, vencedor do Concurso Internacional Horowitz 2023, que mostra como Chopin é “inspiração da Liberdade”,.
As agendas dos diferentes festivais e eventuais alterações à programação podem ser consultadas nos seus ‘sites’ e nas páginas das redes sociais.