Depois de três volumes de poesia, Breve passagem pelo fogo, O artista está sozinho e Doze passos atrás, Frederico Pedreira, nascido em 1983 e doutorando em Teoria da Literatura, estreia-se na ficção. Um Bárbaro em Casa reúne sete contos que são sete viagens ao fim da noite, outras tantas interrogações e formas de cair antes de se entrar na idade adulta. Ao revisitar memórias, captar a velocidade da vida e ao lançar-se contra maneirismos discursivos, o narrador convoca o leitor para uma vertigem na qual ecoa “a trupe de velhos, coxos e músicos cegos do Cardoso Pires, a ginástica intuitiva do Bob Dylan, o espernear patético do Céline, e o assobio elegante do João Miguel Fernandes Jorge”. Histórias de excessos e alucinações, engates e abandonos, amores e falhanços. Prosas bárbaras. E sedutoras.
Jornal de Letras: Começou na poesia, estreia-se agora no conto. Foi um passo natural? São estas histórias fruto de uma poesia já de si muito narrativa?
Não creio que haja uma lógica de continuidade. Tento ver cada livro como uma experiência distinta, com prioridades e objetivos precisos. A forma como parto para a poesia é muito diferente do modo de estar que me leva a estes contos. Cada um destes exercícios funciona enquanto cisão com hábitos discursivos e com certos maneirismos de expressão que se vão sedimentando quando se escreve com alguma regularidade. Daí que o desequilíbrio que existe no livro anterior de poesia, Doze Passos Atrás, entre condensação e narrativa, seja menos o resultado de uma incerteza à espera de resolução e mais o sublinhar da necessidade que tenho de mudar de postura.
Qual o denominador comum destas histórias? O fim da noite, as margens, a queda…
Há, de facto, um tom que sobressai. Mas é mais isso, um tom, do que a repetição de certas figuras ou temas. Estes são transversais ao processo de rememoração, que acontece no espaço altamente poroso da escrita. Queria ir de encontro ao pouco que resta de uma experiência, magoada e cómica, que só o trabalho de escrita poderia tornar lúcida depois dos muitos anos que as distanciam de mim. Queria, nestes contos, falar da queda antecipada de alguém em vias de se tornar homem, mas que essa queda fosse descrita como a queda num cartoon: leva-se com um piano na cabeça e vê-se estrelas, ou cai-se de um penhasco e continua tudo bem. Ninguém morre. E se alguém se rir com isso, melhor.
E perfazem uma sequência ou são totalmente independentes? Gostava que o leitor visse uma evolução nestes narradores?
Estes contos, na ordem em que estão, indicam um movimento de independência crescente. Se os três contos iniciais sobrevivem melhor conversando entre si, até porque há uma convergência, não tão trivial como possa parecer, entre pessoas e espaços ocupados, seria interessante que os restantes fossem recebidos como peças circulares de sentido, cujo estado de deslumbramento perante o caos depende acima de tudo de um momento de perceção privilegiado. Isto relaciona-se menos com estímulos exteriores e mais com a prova de resistência que a escrita tende a ser.
Em todas há também uma velocidade sem travão. O que lhe interessa literariamente nessa torrencialidade?
As minhas preocupações literárias com essa velocidade são, na verdade, fundamentadas pela forma como certas experiências se me apresentaram no movimento de as recriar, depois de anos de bafio e de indiferença mais do que justificada. Tudo isto foi contado entre amigos de forma coxa e muito acidentada. O momento em que peguei em toda essa vertigem insinuou-se de forma estranha à velocidade original dos episódios, e isso espantou-me. A velocidade na escrita não resulta, parece-me, de um mimetismo, mas de uma respiração renovada pela liberdade que um novelo de impressões vagas me sugeriu.