Memórias de um Átomo, de João da Ega:
Incipit, Sinopse e Glossário
A casa que os Átomos vieram habitar em Coimbra, no Outono de 1875, era conhecida na vizinhança da Sé, e em toda a Alta, pela Cabeça de Ega, ou simplesmente Ega. E o mais novinho entre eles era eu mesmo, Átomo Só, cuja autobiografia acabais de encetar.
Assim começa Memórias de um Átomo, de João da Ega, obra de leitura obrigatória. E designa-se pelo substantivo latino incipit, que justamente significa início ou princípio, a linha ou o conjunto de linhas com que se abre qualquer texto. A sinopse que se segue, destinada ao ensino, não deverá substituir o contacto com a referida obra, servindo apenas para se obter melhor compreensão dela.
Capítulo I – O Átomo rola nas nebulosas, enquanto o seu portador se entrega a traquinices, num jardim de Celorico de Basto, donde é natural. Confronta-se com os átomos de uma mãe beata, e sofredora das entranhas, e com os de uma filha desta, viúva e rica. Todos se escandalizam com a safadeza do Átomo, com a sua irreligião, e com a sua heresia.
Capítulo II – Na casa de Coimbra, a tal que se designa por Cabeça de Ega, ou simplesmente Ega, o Átomo transforma-se em faísca candente do fogo que, mais tarde, virá a ser a Terra. Partilha com os seus irmãos imaginários, servos de Satanás, o ódio à Divindade e a toda a ordem social. Faz parte da primeira folha de planta, que surge da crosta ainda mole do Globo.
Capítulo III – Assumindo-se como ser, o Átomo vai esboçar, a partir de agora, e à brocha larga, o relato da sua existência. Entra na rude estrutura de Orango, o pai da humanidade, e vive nos lábios de Platão, sempre húmidos de diálogos, entre as barbas brancas, infestadas pelas pulgas do mar do Pireu.
Por razões pedagógicas, e para incitar os alunos ao convívio directo com Memórias de um Átomo, de João da Ega, optou-se por não resumir os Capítulos IV, V, VI e VII, retomando-se a sinopse no Capítulo VIII.
Capítulo VIII – Para grande consternação do Átomo, o homem que enfim o transporta, radicado em Lisboa, envolve-se em promiscuidades que o memorialista preferiria ignorar. É arrastado, entretanto, para a alcova de uma adúltera judia, numa vila chamada Balzac.
Capítulo IX – O Átomo comparece a um enfadonho jantar, no Hotel Central e torna-se testemunha de uma intriga reles, tecida em torno de um médico e da sua condessa.
Capítulo X – Na ridícula máscara de Mefistófeles, o Átomo consente em aparecer num baile, em casa do marido da judia. É miseravelmente expulso da festa, e volta a Celorico de Basto. Arquivam-no aqui para ceder lugar à escrita de uma comédia, O Lodaçal.
Capítulo XI – Regressando a Lisboa, o Átomo vê-se recuperado, como pretexto de trabalho literário. Implica-se num tenebroso enredo de amores incestuosos, entre o facultativo e uma sua irmã, que alimentarão um romance em dois volumes, de que não se cuida aqui.
Capítulo XII – O Átomo ruma de novo ao Norte, mas acaba por se lançar numa viagem sem destino, acompanhado pelos átomos do nefando clínico. É então dispensado, e preterido por uma frioleira bibliográfica, a que caberá o título de Jornadas da Ásia.
Capítulo XIII – Sem futuro, e sem pátria, o Átomo põe-se a correr, ao lado dos do médico prevaricador, e atrás de um veículo chamado “americano”, que ronceiramente percorre as ruas de Lisboa. Fica-se com a sensação de que, a reboque dele, andamos todos a correr também.
Glossário ou Lista das Palavras Difíceis
safadeza: patifaria.
candente: ardente.
à brocha larga: a traços largos.
Infestadas: contaminadas.
alcova: pequeno quarto interior de dormir.
adúltera: mulher que viola a fidelidade conjugal.
enfadonho: aborrecido.
intriga: enredo.
incestuosos: que diz respeito à união carnal ilícita entre pessoas que são parentes ou ligadas nos graus proibidos pelas leis.
facultativo: médico.
nefando: perverso.
clínico: médico.
preterido: desprezado.
frioleira bibliográfica: livro insignificante.