O ensino do Português, tal como se leciona, não consolida competências de leitura e escrita. Ensinar competências sem conteúdos origina o seguinte: os alunos escrevem como falam, isto é: mal. Não há tempo para cimentar as aprendizagens e o sistema educativo-político “enrola as pessoas em burocracias que empatam a vida, lhes suga a liberdade em trajetórias quotidianas absurdas”, como bem viu Maria Alzira Seixo. Aferir a nível nacional as aprendizagens no final de ciclo, objetivo dos exames, não deveria implicar a minimização da reflexão crítica. Coage-se à simplificação das aprendizagens, dado que o exame de Português propende ao fechamento das interpretações, à redação de respostas-tipo e à memorização de regras de gramática.
Depois de 12 anos, a média nacional a Português no 12º ano, na 1ª fase, é de 8,9. A escola não é senão a programática e secante instituição preparadora para exames e a diluição das Humanidades tem empobrecido a escola, mas as decisões políticas insistem nesse erro crasso. No exame do 12º, no Grupo I, um poema de Ricardo Reis exigia que “de forma clara e bem estruturada” os discentes relacionassem, referissem, explicitassem e explicassem, verbos introdutores das quatro questões do Grupo I.
Inferir, parafrasear e descrever eram os pressupostos para se responder. Tais pressupostos colidem com um facto simples: o texto literário tem pouco peso nos programas e os professores, adeptos ou reféns da TLEBS, veem-se coagidos a treinar respostas-tipo, não a trabalhar a escrita crítica. Gramática e Poética estão divorciadas no ensino da língua materna. Na questão 3 pedia-se que o aluno explicitasse “os valores simbólicos do espaço e do tempo” nessa ode de Reis.
Mas até que ponto podemos dizer que a noite simboliza a velhice e que a hora dos cansaços “propicia à rememoração e ao diálogo calmo e íntimo” ou que a lareira é “o espaço associado ao conforto e à proteção”? Estes cenários de resposta explicitam a simbologia do tempo e do espaço? Ao nível simbólico não seriam o inverno, a primavera, os campos ou as flores, os símbolos a interpretar? O simbólico funciona por analogia e não segundo o literal, que é o que os cenários oferecem ao professor-corrector.
No português escolar de hoje não importa estudar a língua da poesia; importa pôr o aluno a falar o idioma do exame. Quem se afaste dos “critérios específicos de classificação” e dos “descritores do nível de desempenho no domínio específico da língua” terá classificação negativa. Já no 9º ano, “Parte B”, um poema de Miguel Torga servia de pretexto à avaliação da leitura e da escrita. Na questão 8 pedia-se que se comentasse e explicitasse o contraste entre as representações do mar nesse poema de Torga e o mar em Pessoa! Índice de dificuldade superior ao que se pedia no exame de 12º ano. Foi o texto poético trabalhado em termos contrastivos? Conhecerão os alunos as poéticas de Pessoa e Torga? Os exames dão a ver à saciedade a iliteracia escolar. Mais: dão a ver um tecnicismo nefando que convida à repetição e ao previsível. A literatura, estudo estético da linguagem, promotora das capacidades hermenêuticas, é apenas instrumental…
Imersos na alienação, a tese de Os Maias mantém-se: os portugueses, tal como Carlos, falham na vida não por causa da educação, mas apesar da educação. Eis as consequências da pedagogia das grelhas de avaliação e da ideologia-Excel dos gaspares da educação. Os professores, “máquinas de classificação”, técnicos, formadores e os alunos desconhecedores das mais elementares noções de História, Geografia, Literatura; alunos sem ideias, acríticos… e eis a escola.