As pessoas da Póvoa de Varzim têm no Diana Bar um espaço de certa monumentalidade que guarda a memória dos últimos 80 anos de tertúlia e banhos. A cidade deu com entusiasmo o bizarro passo de construir na areia, levando os cafés à praia, quase os fazendo navegar.
Com o tempo, encontrar o Diana Bar ou o Guarda-Sol na marginal virou uma inevitabilidade das nossas biografias, uma maravilha de se frequentar esses cafés atracados como barcos que começam o mar, começam a partida.Agora, e para uns tempos, o Diana Bar foi intervencionado à luz do designer Nuno Leal para se dedicar à realização de exposições de artes plásticas.
A cidade está à míngua de um espaço para o efeito e o antigo café oferece uma solução que encontra lugar e relevância identitária. Entrar no Diana Bar é entrar um pouco na vida de toda a gente. É lembrar toda a gente da Póvoa e que esteve na Póvoa.
O que significa que se deita mão de uma afeição importante, é como cuidar de um animal verdadeiramente da estimação de todos. Com curadoria de Tomás Carneiro, pelo trabalho no projeto Museu Internacional de Arte Contemporânea (MIAC), “Ainda não deu hora nenhuma”, palavras de Fernando Pessoa, é o título da exposição da obra de Nadir Afonso que inaugura a vida do Diana Bar enquanto também galeria de arte.
Não poderia ser melhor. As 30 telas e os 12 guaches mostrados são um percurso pela figuração humana e são exemplo de muito do melhor que Nadir criou. Desde que vi os estudos do artista, os papeis de dimensões diminutas, por vezes mínimos, não consigo esquecer tal impacto.
O modo como Nadir estudava para as telas era já o de alguém que faz nascer o diamante. O esplendor está inteiro no estudo. A escala não prejudica em nada o génio. Tive a impressão de ver como se dividem as obras de Nadir e, em cada parte, se conserva a inteireza da arte, a maravilha intacta.
Na Póvoa, por outro lado, os guaches, que não são tão pequenos assim, permitem verificar como era o processo de Nadir, como as imagens se previam antes do uso do acrílico. E é como percorrer o segredo. Um segredo que, na verdade, se põe de uma sinceridade cristalina. O que o artista faz é límpido.Nadir Afonso trabalha as formas a partir da sua reação à luz. Quero dizer, é a luz que ele denuncia, que ele capta.
Como se suas imagens sintetizassem as matérias para a evidência de que ver é ter acesso ao clarão. As suas obras são clarões. Acendem o mundo. É por acenderem o mundo que se tornam visíveis, chegam à perceção ocular. Neste sentido, ainda que nos pareça antecipar uma linguagem do futuro, feita de néons e movimento, o que significa é que se dedica ao essencial, ao que, por definição, não mudará.
Assim, parecendo o puro futuro, o que se vê é passado, presente e futuro, o que não pode ser de outro modo, o que se captura na sua estrutura, na matemática fundadora, no adn da visão.Ainda que esta seleção nos proponha a presença da figura humana, a obra de Nadir inspira-me sempre à viagem.
O movimento intenso das suas imagens, uma espécie de deslocação em vertigem, cria em mim a sensação da autêntica velocidade. Muito poucos artistas trabalharam a velocidade como Nadir. Ver as suas obras é testemunhar como há tempo associado ao que se vê, o instante não disfarça o seu caminho em direção ao instante seguinte, como algo que já se perdeu, algo que já não existe senão na memória.
A obstinada importância que dava à matemática do mundo, esse código estrutural, essencial, trouxe a Nadir Afonso a capacidade de sintetizar o visível, mostrando o esqueleto luminoso do que permite olhar, do que permite ver e distinguir formas. A partir daí, deitou por cima desse conhecimento a consciência de tudo se mover, que é a evidência da vida e sua precipitação inevitável para passar a qualquer momento