Um dos mais extraordinários ilustradores nacionais, o trabalho de Tiago Manuel tem o condão de, utilizando simbolismos que vão da aparente ingenuidade ao sofisticadamente ácido, conseguir criar narrativas complexas com um único desenho, que depois trabalha em sequências temáticas. Por um lado, há o trabalho do autor em nome próprio, quer individual, quer em colaborações com autores como Sérgio Godinho ou Miguel Gomes, com destaque recente para as ilustrações feitas para o projeto “1001 noites” deste último. Por outro lado, Tiago Manuel tem criado vários heterónimos com as mesmas iniciais (Terry Morgan, Tim Morris, Murai Toyonobu, Tom MacCay, Max Tilmann, Marriette Tosel, Tamayo Marín) mas biografias e referenciais artísticos distintos, que se refletem nos mundos criativos que a mão de Tiago Manuel serve como veículo para concretizar, e com os quais (também) interpreta diferentes correntes artísticas, movimentos e enquadramentos históricos.
Mas o mais interessante de Tiago Manuel enquanto ilustrador é não se esgotar nessa faceta, mas utilizá-la para alavancar outro tipo de iniciativas que o definem enquanto ativista cultural em Viana do Castelo, a sua cidade. Um exemplo é a coleção “O filme da minha vida” (Associação Ao Norte), na qual autores são desafiados a resumir/citar/recriar/evocar um filme marcante em livrinhos de BD/ilustração de 36 páginas, o mais recente dos quais é “Feios, porcos e maus” (1976) de Ettore Scola, imaginado por Ana Biscaia. Claro que os resultados variam, mas há duas qualidades fundamentais associadas a este projeto. Primeiro, que “ecletismo” não é aqui um palavrão, há plena consciência de que a qualidade tem vários cambiantes; a coleção é definida pelo seu princípio fundador, não por qualquer estilo de desenho, escola ilustrativa, ou filosofia narrativa. Segundo, que poucos esperariam que um projeto desta natureza chegasse aos 16 números de uma edição muito regular. E só é pena que os mecanismos de distribuição sejam pouco trabalhados.
Uma outra iniciativa são as exposições de grandes ilustradores nacionais com ligações à banda desenhada comissariadas por Tiago Manuel na Biblioteca Municipal de Viana do Castelo. Focando autores com uma carreira considerável (nacional e internacional), a grande qualidade das excelentes mostras dedicadas a André Carrilho, João Fazenda ou Luís Manuel Gaspar (atualmente em exibição) é serem capazes de encapsular o essencial de cada obra com uma economia de seleções. Das caricaturas e colagens brutalmente políticas de Carrilho, às evocações mais oníricas de Fazenda, ao surrealismo detalhado, a um tempo sintético e perturbador, de Gaspar, nota-se na organização o cuidado de um olhar solidário; um par a apresentar pares.
Ao revelar plena consciência de que a arte contemporânea não é só a dos grandes centros, e não é só a sua, Tiago Manuel distingue-se enquanto autor e dinamizador único no panorama nacional. Viana vale a pena.
João Fazenda: Domador de imagens.
André Carilho: Desenhos atrás do espelho.
Luís Manuel Gaspar: História natural com parafusos. Catálogos de exposição. Organização e produção de Tiago Manuel. Câmara Municipal de Viana do Castelo. 30 pp.
Feios, porcos e maus. Argumento e desenhos de Ana Biscaia. Ao Norte. 36 pp. (http://www.ao-norte.com/bd.php)