Em primeiro lugar um breve lamento pessoal: adquiri este pequeno livro em Bruxelas, na excelente livraria Brüsel. Fi-lo por três motivos: não o conhecia, pareceu-me interessante e… não encontrei edição inglesa. A francofonia escolar dificilmente resiste à lógica simples de qualquer livro traduzido para inglês ser muito mais barato (20-50%) do que um original em francês (ou em português, já agora). Por exemplo, o mais recente (ao que me dizem brilhante) livro de Étienne Davodeau terá de esperar, e por esse motivo. Neste caso a primeira edição até foi alemã, mas o princípio mantém-se. É pena, mas os livros lêem-se, é o que importa. Penso.
O primeiro volume de Ce livre devrait me permettre de résoudre le conflit au Proche-Orient, d’avoir mon diplôme, et trouver une femme de Sylvain Mazas (da editora Vraoum) é uma espécie de mescla feliz entre o diário gráfico de Joann Sfar e as reportagens de Joe Sacco.
Tal como Sfar, Mazas tem limitações representativas muito óbvias, que resolve com entusiasmo e com o envolvimento do leitor na sua história, de tal modo que essas limitações se tornam irrelevantes. Tal como Sacco, tem noção dos problemas de política global que o seu livro abarca. Tem no entanto várias características que o tornam interessante e único.
Por um lado usa de uma maneira muito inteligente esquemas e representações gráficas para tentar expressar a complexidade de diferentes situações. E por vezes falha rotundamente, porque não é nada fácil. Por outro, é um indivíduo, ciente das sua limitações. Não leu tanto como Sfar (nem tem o seu virtuosismo), não conhece tanto como Sacco. Não se posiciona como um jornalista de voz neutra, como um ativista com objetivos claros, ou sequer como alguém particularmente informado. Isto pode parecer um insulto, mas não é. É o que torna possível uma grande empatia com o autor. Não é um oráculo, é um cidadão que se esforça por fazer a sua parte para, como o título declara, resolver o conflito no Médio Oriente. Para isso Sylvain Mazas decidiu ir trabalhar numa ONG no Líbano, de modo também a tentar perceber melhor a complexidade do que está em causa nessa região do globo.
Mas não é totalmente altruísta, não pretende apenas a paz no mundo, mas, como consta na continuaçao do longo título, acabar o seu curso e, se possível, encontrar uma mulher. Note-se, não a mulher dos seus sonhos, o amor da sua vida. Uma mulher, ponto. O modo com o autor equilibra ao longo do livro interesses pessoais simples não mitificados, com interesses globais, e a maneira como vai apreendendo o Líbano, a Síria, Israel, a Palestina, torna o seu diário uma leitura refrescante sobre um tema que é tudo menos isso. É particularmente interessante o modo como Mazas inicia a sua odisseia, começando por achar o Líbano um marasmo de desorganização (segundo o paradigma ocidental), até perceber que nem tudo são desvantagens, e que também ele se tem de adaptar. Ou como analisa criticamente o modo como a mesma informação é tratada de modo muito distinto pelos media franceses e libaneses.
É essa visão ao nível do solo, por um cidadão comum e empenhado que tenta fazer alguma diferença enquanto resolve a sua vida, sem separar uma coisa da outra, que tornam o trabalho de Sylvain Mazas uma pequena pérola a descobrir.
Ce livre devrait me permettre de résoudre le conflit au Proche-Orient, d’avoir mon diplôme, et trouver une femme, Tome 1, Sylvain Mazas. Vraoum, 2012 (16/20)
The first volume of Ce livre devrait me permettre de résoudre le conflit au Proche-Orient, d’avoir mon diplôme, et trouver une femme by Sylvain Mazas (Vraoum editions, first published in German) is a sort of beautiful bastard child born from a mix of Joann Sfar’s graphic diaries and Joe Sacco’s reporting assays.
Like Sfar, Mazas has issues with some representations (although he lacks the virtuoso panache), like Sacco he is interested in world politics. However he is also quite unique.
For example he “solves” many of his graphic limitations with enthusiasm, and by using schematics and diagrams to model different situations. That those diagrams are often too confusing and not very useful is a testament to the complexity of the situations the author tackles, not necessarily to his talent. Sylvain Mazas is not a neutral reporter, or even a particularly well informed one. He has not read as much as Joann Sfar, and knows less than Joe Sacco. If this sounds like an insult, it really isn’t. The fact that Mazas is “merely” a concerned citizen trying to do his part is what makes him a likable and credible voice.
And what does he plan to do with this voice? Well, as the title states, merely solve the Conflicts in the Middle East. He therefore joined an NGO in Lebanon, in order to try and understand the region and its struggles better. But, crucially, that is not all Mazas wants.
As the (very long) title of his book also states, he aims to use the experience in order to finish his degree and find a woman. Not the love of his life, mind you. A woman. The way the author weaves together global interests with his own personal life as he tries to understand Lebanon, Syria, Israel and Palestine is what makes the book refreshingly novel and interesting, while tackling very serious issues. Such as the way Mazas starts by evaluating Lebanon as a chaotic society (by western standards), until he realizes that there are merits in different societies, and that he too must adapt. Or how he critically analyzes the very different way the same events are portrayed in French and Lebanese media.
It’s this “ground level” view provided by a common citizen trying to do his part while simultaneously keeping track of his personal life (without distinguishing one from the other) that makes the work of Sylvain Mazas so interesting, and very much worth discovering.