BD Jornal 29 (Pedranocharco)- A minha relação, salvo seja, com o BD Jornal tem sido ambivalente. Nos primeiros números não me parecia que o conceito funcionasse por, em essência, dar voz a quem já tinha voz, incluindo a republicação de textos publicados em blogues, e ter várias rúbricas e opiniões demasiado previsíveis e fechadas sobre o mundo da BD nacional. Ou seja: pregava aos convertidos. Mas este projeto quixotesco de Machado-Dias soube ir evoluindo e criando espaços únicos que passam, por exemplo, por abordagens interessantes à caricatura e à banda desenhada brasileira e italiana (nomeadamente a mega-série Tex, que tem um público sempre fiel). E também por bons dossiês como, neste número, os dedicados a Jean Giraud/Moebius e ao português José Abel. O BD Jornal é hoje incontornável enquanto projeto consolidado concetualmente (do ponto de vista financeiro não sei dizer), aprendo com ele, e só por isso autorizei a publicação de um texto meu no número 29, de resto a minha primeira colaboração com a revista. Um texto “pré-publicado” aqui. Apesar das minhas objeções filosóficas a este conceito, Machado-Dias ganhou o benefício da dúvida. Qualquer coisa que chegue ao número 29 com esta qualidade merece pelo menos isso.
(oferta do editor)
Mesinha de Cabeceira, nº23 (Chili Com Carne)- Sem desprimor para as restantes, terá sido a melhor publicação que trouxe da Amadora. Comemorando os 20 anos do fanzine, e tendo “Inverno” como tema, ao longo das 350 páginas de um objeto muito bonito e cuidado encontra-se um manancial de ideias e estilos com enorme qualidade, que dá vontade de encontrar noutros projectos, individuais, mais extensos e mais consolidados. Não é para isso que deve servir um fanzine? Parabéns são pois devidos a Marcos Farrajota, o organizador da coisa. Uma coisa que me atreveria a classificar como obrigatória, não fosse tal classificação ir contra a filosofia que sempre entendi ser a do MdC.
Se o tema convida a propostas soturnas (mais soturnas do que o habitual), a variedade é grande, desde narrativas distópicas de ficção científica ou de terror, a registos mais urbano-depressivos, contemplativos ou humorísticos. O fanzine é tão coerente na sua diversidade que parece quase injusto destacar alguém. Seja como for, João Fazenda propõe uma história que consegue sugerir uma corrente subterrânea de grande perturbação na sua aparente “normalidade”. Daniel Lopes (citando o topoi clássico de filme de terror envolvendo viagens), João Chambel (idem, mas para FC distópica do tipo The Road) e João Maia Pinto (numa espécie de The Thing de Carpenter interpretado por Charles Burns) mostram um talento narrativo que continua a não ser comum na BD nacional, e que gostaria de ver (muitas) mais vezes. O excelente (não) uso de palavras por Chambel é digno de nota. Tal como Matt Feazell, Bruno Borges consegue muito com uma depuração extrema. José Smith Vargas é muito feliz na sua adaptação de José Gomes Ferreira. E não sabia quem era Afonso Ferreira, mas agora que vi o modo como subverte um estilo de desenho caricatural “fofinho”, quero saber. Apesar de tudo nota-se uma maturidade gráfica superior à maturidade narrativa, uma questão de fundo na BD nacional, onde o problema são muitas vezes os argumentos.
(10 Euros, adquirido na Amadora).
Efeméride nº5: Corto Maltese no Século XXI – Mais um fanzine, mais uma excelente publicação, tão comprido e largo quanto o Mesinha de Cabeceira é curto e grosso. Organizado por Geraldes Lino o Efeméride é uma publicação na qual vários autores portugueses têm uma página para evocar uma grande personagem de banda desenhada do século passado, projetando-a na atualidade. Depois de um notável volume dedicado a Tintin, surge agora outro belo número dedicado ao Corto Maltese de Hugo Pratt, uma personagem que ressoa claramente com muitos dos autores convidados.
Para além de, desde logo, conseguir por de pé um projeto como o Efeméride, o grande mérito da figura da BD nacional que é Geraldes Lino reside em conseguir reunir num mesmo projeto autores com qualidade de várias gerações, incluindo alguns que raramente se encontram em projetos correntes, a jovens autores que aparecem nos mais diversos locais. De Carlos “Zíngaro”e Rui Pimentel a Tiago Baptista, passando por João Chambel, Daniel Lopes, Arlindo Fagundes, Victor Mesquita, Susa Monteiro, Nuno Saraiva, Pedro Nogueira, David Soares, J Coelho, Filipe Abranches, Ricardo Ferrand, Álvaro, Andreia Rechena, Renato Abreu, Joana Afonso, Pepedelrey, Machado-Dias, João Mascarenhas, Pedro Massano, Ricardo Cabral, Maria João Careto… E muitos outros. As propostas oscilam entre a homenagem assumida, a transposição de algumas situações dos álbuns para realidades “portuguesas”, e um humor escatológico de puro “pastiche”, muitas vezes usando ilustrações/poses dos livros de Pratt. Umas páginas são mais conseguidas e interessantes, outras menos. Como sempre. Pesoalmente retenho algumas pérolas evocativas, como as contribuições de Alice Geirinhas, Regina Pessoa, Paulo Monteiro e Marco Mendes.
(oferta do editor)