Praticamente no fim da rentrée cultural, e em jeito de abertura do último trimestre do ano, inauguraram-se a 30 de outubro, no MAAT, duas exposições com curadoria de Sérgio Mah (SM), diretor-adjunto do museu.
Diametralmente opostas a nível cromático, as mostras, patentes até 17 de março de 2025, partilham, no entanto, uma abstração formal e apelam, cada uma à sua maneira, à criação de uma relação íntima entre o público e as obras expostas.
Explosão de cor
A Galeria Oval do MAAT foi entregue a Vivan Suter (VS), pintora suíço-argentina que, ao longo das últimas quatro décadas, tem vindo a construir uma obra monumental em Panajachel, na Guatemala, onde vive.
O culminar de tal processo é agora apresentado em Disco [título da exposição que é também o nome do cão da artista], através de mais de 500 pinturas, 163 das quais mostradas pela primeira vez.
Da Guatemala, Suter trouxe o amor à natureza, principal fonte de inspiração do seu trabalho, o qual realiza imersa no jardim de casa, à beira de uma floresta, rodeada de montanhas e próxima do lago Atitlán.
Esse amor foi passado para as telas de grandes dimensões que, expostas sem grade nem moldura, cobrem as paredes, o chão, pendem do teto e de estruturas semelhantes a estendais, transformando a Galeria Oval num local que poderia definir-se como algo entre um jardim de pinturas, uma loja de tapetes de um souk marroquino e uma selva de ideias coloridas precipitando em espiral e envolvendo o público.
Das obras, cada um fará germinar o que lhe aprouver, reconhecerá nas cores, nos movimentos e nas pinceladas de Vivian Suter as formas latentes que já traz dentro
A forma como as obras foram dispostas, explica SM, reflete uma liberdade e independência em relação a modelos expositivos com que a artista se identifica.
“São permitidas todas as combinações: horizontal, vertical, frente e verso. O momento da montagem é de grande criatividade para Vivian. Foge sempre à norma, à regra, àquilo que implica estabelecer alguma racionalidade no trabalho”.
Apesar de abstrata, a pintura de VS “está ancorada na realidade que a circunda e faz justiça a uma relação íntima, idiossincrática e muito solitária entre a artista e a natureza na qual vive”, sublinha o curador.
“Represento o que está em redor no momento da criação”, confirma a artista. Refere-se a elementos tão simples e fugazes como “os movimentos das folhas, a chuva, os cães a correr ou o som do vento”, mas suficientemente poderosos para se terem transformado em algo “necessário” na sua vida.
Mais do que as formas, são então as cores e a intensidade das pinceladas a desenharem a essência, os sons e as sensações de uma paisagem enraizada no coração da artista.
À medida que o público se adentra na floresta de telas, deixando-se envolver pelo turbilhão de cor, começará a aceder, não só a esta paisagem, como a uma nova, criada a partir da sua experiência pessoal.
Há quem encontre a cabeça e as orelhas de Disco, outros uma erupção vulcânica, um emaranhado de ramos, ou bagas a cair de uma árvore. Não importa. Das obras, cada um fará germinar o que lhe aprouver, reconhecerá nas cores, nos movimentos e nas pinceladas de VS as formas latentes que já traz dentro.
Uma luz que dança
Da abstração colorida de Suter passa-se, na Galeria 2, para as formas etéreas de Anthony McCall (AM).
Rooms, primeira exposição individual do artista britânico em Portugal, apresenta a fotografia Room with Altered Window (1973) e quatro obras, produzidas entre 2007 e 2020, que McCall designa como “Solid Light Works”: Rooms e Skylight, duas projeções verticais com som; Split Second Mirror, cujo espelho que serve de ecrã devolve o desenho volumétrico à parede onde se encontra o projetor; e You and I Horizontal III, constituída por uma enorme imagem panorâmica que surge da combinação de duas projeções.
Servindo-se de ecrãs, espelhos e fumo AM faz assim nascer da escuridão na qual a sala está mergulhada verdadeiras esculturas de luz, que flutuam no ar, num limbo entre o material e o imaterial.
As projeções atingem os visitantes, transformando-os em ecrãs que projetam novas formas de luz, enquanto observam aquelas que são projetadas pelos corpos em seu redor
Considerado um dos artistas mais singulares e inovadores desse território onde a escultura, o cinema, o desenho e a performance se cruzam, o artista radica o seu trabalho nas motivações da arte conceptual das décadas de 60 e 70 do século XX, algo que, nesta exposição, é bastante visível.
Ainda que, atualmente, recorra a processos e dispositivos digitais, as formas de “luz sólida” que McCall cria abarcam conceitos como a desmaterialização do objeto artístico, a teoria de que o destino da prática artística não tem de ter uma consumação física e a ideia de que a obra de arte ganha com a interação.
De facto, as quatro instalações fílmicas expostas oferecem ao público uma experiência cinematográfica muito diversa daquela que, normalmente, ocorre numa sala de cinema. Não há cadeiras nem lugares marcados, não se espera (apenas) uma contemplação passiva, formula-se sim um convite à interação.
“O espetador pode ir em direção ao projetor, a preocupação do artista não é com o ecrã, mas sobretudo com o que está no meio”, sublinha SM. “O que está no meio” são feixes de luz, visíveis graças ao fumo que paira no ar, os quais parecem “pedir” ao público que os atravesse, que lhes altere a forma e se confunda com eles, “entrando” na própria obra.
As projeções atingem assim os visitantes, transformando-os em ecrãs que projetam novas formas de luz, enquanto observam aquelas que são projetadas pelos corpos em seu redor.
Com elementos mínimos, como a escuridão, uma fonte de luz e fumo, “o trabalho de Anthony McCall consegue ser, simultaneamente, um filme, uma escultura, um desenho e uma grande instalação imersiva”, como aponta SM.
Acrescentando um último estrato à modelação do imaterial, o artista colaborou ainda com o músico David Grubbs, o qual criou a música das duas obras com som, Rooms e Skylight, e que, no dia 23 de novembro, tocará a banda sonora ao vivo, na Galeria 2 do MAAT, enquanto o público será livre de explorar o espaço da exposição.