A luz é escura. O silêncio inexistente. Os olhos e os ouvidos demoram a entender o que acontece. A sala está fechada à identificação. Se a respiração parasse por um instante, a vida ficava-se por ali.
A ideia de vazio é totalmente preenchida. Por desconhecimentos. Volta-se atrás na aprendizagem humana, para receber o mais recente trabalho de Henrique Pavão. Por causa da insistência do artista, fica-se sem movimento. A expectativa começa por revelar a obra. Pouco a pouco. Um som musical, uma fotografia na parede, duas caixas negras.
A surpresa colide com dois meteoritos. São destroços de ferro, caídos no Egipto, há mais de cinco mil anos, para conviverem com uma música intensa e um sapo parado. Com origem na cratera Gebel Kamil, os objetos da matéria espacial, mostram-se como mistérios, sem que haja gravidade, nem tempo nem lugar. Perante a sensação de conjunto, há um reconhecimento: cinema. Essa ficção permanente.
Henrique Pavão afirma que constrói o seu trabalho a partir de histórias, em que conjuga pormenores diferentes, de diferentes histórias, sejam objetos ou narrativas. A partir desta primeira triagem, relaciona-os numa nova e sua história.
Para o artista, há uma relação muito forte com o cinema e com a história do cinema. Aliás, acredita que o cinema e a música são as artes mais eficazes, no sentido mais emocional da experiência.
O que mais lhe interessa explorar é a emoção como temática global. A fotografia “It’s not going to stop”, com a representação do tal sapo, é uma citação do filme Magnolia, do realizador norte-americano PT Anderson. A longa-metragem de 1999 termina com uma chuva de sapos, relacionando-se diretamente com a praga bíblica do Egipto, país onde foram também encontrados os meteoritos da exposição. Castigo? Ou redenção?
Responde Henrique Pavão, existir assim, e também, uma moral nesta exposição. Uma moral, mas não uma conclusão. A obra traz essa hipotética moral sem fim. Daí ter a peça musical em loop contínuo, que se inspira na primeira transmissão via rádio terrestre para o espaço.
“Essas mensagens ainda estão a caminho.”, afirma o artista, para sublinhar essa perpétua viagem. Existirá retorno? Será a queda de meteoritos no planeta Terra, a resposta às mensagens enviadas para o espaço? Responde-se assim ao mito do eterno retorno? Como escreve Eva Mendes, na Folha de Sala da exposição “o artista compõe uma ode à impertinência – onde a mística do som, de metalurgia e dos objetos celestes se aliam num mantra às qualidades entrópicas da transformação.”
A transformação a que nos sujeitamos perante a arte é esse espanto original, inseguro e legítimo. Para Henrique Pavão, a história da arte é uma cadeia de acontecimentos e de diferentes linguagens reinterpretadas. O que faz dessa originalidade, sempre procurada, uma quase impossibilidade. Mas a obra de arte só se estabelece quando se baseia na verdade. Para ser obra de arte, tem de ser verdadeira.
Henrique Pavão é exigente nessa pureza. Como se fosse uma consciência.
Galeria Bruno Múrias > R. Capitão Leitão 10-16, Lisboa > ter-sáb 14h-19h
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Henrique Pavão (1991) estudou Escultura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa (2013) e obteve o Mestrado em Artes Visuais (MFA) pela Malmö Art Academy (2016 – Professor Joachim Koester). Recebeu bolsas da FLAD (2022), Fundación Marcelino Botín (2021), Royal Academy of Arts Stockholm (2016) e da Fundação Calouste Gulbenkian (2015). Em 2016 foi galardoado com o Prémio Edstrandska Stiftelsens e nomeado para o Prémio Novo Banco Revelação da Fundação de Serralves. Em 2019, Henrique Pavão foi nomeado para a 13ª edição do Prémio Novos Artistas da Fundação EDP.