E, então, ela disse: “Com que então queres namorar comigo?”… E depois pegou no monte de folhas que ele lhe tinha dado e pôs-se a analisar, como se fosse uma proposta de crédito. Ela era jovem e bonita, por isso sabia que se podia dar ao luxo de escolher. Ele sentia que já estava sozinho há demasiado tempo e aquela ideia de mulher parecia-lhe bastante tentadora. “É para uma relação duradoura”, frisou o homem, não fosse ela pensar que se tratasse de mais um engate ao estilo tinder, o que faria com que perdesse pontos. Mas depois calou-se, porque era tímido, e preferia deixar que as folhas falassem por si.
Ela começou a consultar os papéis, de lápis atento na mão direita para sublinhados e pequenas notas. A documentação não trazia o extrato bancário, por uma questão de elegância: uma relação amorosa verdadeira nunca deve insinuar uma contrapartida financeira, se não fica a parecer algo menos digno. De qualquer forma, por o que lhe era dado a ver, o homem não lhe parecia um indigente. Pelo contrário, tinha um ar bem posto, cuidado, embora talvez um pouco carente.
As cartas de recomendação eram muito elogiosas. Era bom ouvinte, daqueles que consegue ficar muito tempo calado sem se perder nos pensamentos e encontra as palavras com a ponderação certa para cada momento. Sabia cozinhar e, nos tempos mais recentes, acompanhando as vagas gastronómicas, até fazia um sushi que ombreava que os restaurantes de Tóquio e Osaka.
Era culto, já lera vários clássicos russos, Shakespeare, Eça de Queirós, a Odisseia e a Ilíada, deixava-se fascinar por livros difíceis e perdera parte da adolescência a ler Em Busca do Tempo Perdido. Também ouvia música indie, via cinema europeu e frequentava ocasionalmente museus e salas de espetáculo. Gostava de beber, mas só em ocasiões sociais. Não fumava, não consumia drogas. Parecia sério, mas gostava de se divertir. Lidava bem com as suas contradições. Era algo misterioso, mas deixava-se desvendar
Um currículo fora-de-série, as cartas de recomendação vinham de três ou quatro mulheres diferentes. Havia uma que ela até conhecia de vista e dava-lhe garantias de credibilidade. Ele tinha tudo para ser o escolhido ou, pelo menos, para passar para a short list.
À parte daquela timidez, que ela até achava preferível a uma exuberância, aparentemente era um homem sem defeitos. Mesmo na intimidade — que algumas chegavam a esse ponto — tudo parecia correr bem — “é uma daqueles homens que verdadeiramente se preocupa com prazer feminino”.
Ela levantou os olhos e reparou na sua timidez, o nervosismo controlado, enquanto ela vasculhava todos aqueles papéis em busca de defeitos e qualidades. Era natural, sexy. Mas aquela ausência de defeitos era algo que a inquietava. Então, fez-lhe a mais lógica das perguntas: “Se tudo parecia tão feliz, tão perfeito, porque é que todas essas relações acabaram?”. Ele respirou fundo, sorriu, e respondeu: “Extinção do posto de trabalho”.