Elsa Galvão faz de criada dos famosos Noailles, mecenas de muitos artistas, sobretudo surrealistas, como o realizador Luís Buñuel. Uma “paródia inconsequente” sobre os loucos anos 20, pela voz de quem os viveu de perto, no palacete do conde Noailles, na cidade de Hyères.
JL: Quem é esta criada dos Noailles?
Elsa Galvão: É uma personagem que não só assistiu aos loucos anos 20, como também fez parte dessa realidade. No entanto, estamos já em 1975 e vamos conhecer a sua visão, as suas opiniões em relação ao mundo em que sempre viveu: o mecenato, os bailes loucos, as drogas e o sexo livre, no palacete dos Noailles, em Hyères.
É uma visão crítica?
Não. A criada dos Noailles não é uma intelectual, mas sempre viveu rodeada deles, portanto, olha para esse meio de uma forma simples, despreocupada e nada moralista. Esta peça é uma paródia. No primeiro ato, os Noailles estão à espera de um convidado para jantar, Luís Buñuel, então a criada, enquanto pensa o que preparar, vai contando episódios sobre alguns artistas que conviveram com o conde. Figuras como Picasso, que ela trata por ‘tu cá tu lá’. No segundo, continua a falar sobre a sua relação com o conde, a condessa, os seus amigos e algumas paixões. No terceiro, a criada comenta um livro de memórias de Buñuel que tem referências aos Noailles, e vai dizendo se é verdade ou mentira, sem grandes críticas. Na parte final, o conde já morreu, e ela vive com fantasmas de mecenas e artistas que, no fundo, são personalidades que marcaram a modernidade do século XX.
Como foi dar vida a esta personagem?
Não foi difícil. Este texto foi escrito para o encontro “Mecenas, Mecenas” que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, em 2007, e o Jorge Silva Melo convidou-me para fazer a leitura. Fiquei muito contente porque senti, desde logo, um entendimento e uma empatia face ao texto. Esta criada dos Noailles é-me próxima, pela sua dimensão humana e genuína. Além disso, houve uma grande compreensão entre mim e o encenador, o que contribuiu para a facilidade do processo de construção da personagem.
Estamos habituados a vê-la em peças de registo cómico, como esta…
Sim, faço muita comédia. Aliás, trabalho muitas vezes com o Fernando Gomes, normalmente fazemos uma peça por ano. Mas não tenho preferências. O que mais me importa é o desafio de construir personagens e contar as suas histórias. Um processo criativo que passa por encontrar pontos de contacto nas personagens, quer sejam cómicas ou dramáticas.