Já intervencionou autorretratos icónicos de Andy Warhol e retratou Salvador Dali em esferovite, já pintou António Variações à imagem de Luís de Camões e manipulou a imagem de Beethoven com fibra de vidro e circuitos eletrónicos. E como esquecer essa luva de boxe gigante com a efígie de Basquiat? Rueffa é a artista por trás desta produção resolutamente pop. A artista autodidata, 32 anos, formada em História da Arte e ex-funcionária da banca, não tem medo de um desafio. E defende as cores e a relevância da Pop Art – a qual já a levou a expor obras suas em Nova Iorque.
Embaixadora da exposição Roy Lichtenstein e a Pop Art, prepara uma performance para a finissage, no âmbito do evento Portugal Pop (co-organizado com a VISÃO): no domingo, dia 23, a partir das 15h e até às 19h, Rueffa vai conversar sobre a Pop Art e fazer um Live Act. Isto é, um quadro ao vivo criado em plena Praça Central do Centro Colombo. À VISÃO, explica porque é que pintar ícones é importante… e como é que adotou o nome singular que lembra alguém que o público conhece bem de outros palcos…
O que podemos esperar da sua intervenção ao vivo na exposição Roy Lichtenstein e a Pop Art?
Propus-me fazer uma intervenção e um live painting para a finissage deste domingo, dia 23, de forma que se possa perceber quem é a artista plástica e embaixadora da exposição Roy Lichtenstein e a Pop Art, e sensibilizar o público para a Pop Art ou Neo Pop Art, já que não existem muitos artistas que trabalhem nesta área em Portugal. A live painting vai ser um desafio, porque nunca pintei num ambiente fora do atelier: sou reservada no que respeita a expor o meu trabalho em fase work in progress. Mas tenho de sair do meu casulo porque é importante as pessoas conhecerem mais sobre este trabalho e esta linguagem. O desafio, aqui, é homenagear o Lichtenstein, realçar a mais valia de termos acesso gratuito aos trabalhos do artista norte-americano, e continuar a exposição.
Onde decorrerá o live painting?
Na praça central, entre as 15h e as 19h. O quadro resultante do live painting vai ficar patente após a finissage, pelo menos durante duas semanas. Vão ainda existir vídeos da pintura e do debate em exibição.
Porque é que se define como uma artista neo pop?
A arte é um revivalismo, dependemos sempre de campos estéticos [existentes]. E o meu portefólio artístico é criado com base nas premissas da Pop Art, mas considero-me uma artista da NeoPop Art em Portugal pois imprimo-lhe um novo discurso. Nem todos os meus trabalhos são acerca de ícones, mas, quando é o caso, a minha responsabilidade, a minha vanguarda artística, passa por manter vivas todas essas personalidades. A Pop Art interessa-me por isto: eu tirei o curso de História de Arte, mas chegou uma altura da minha vida em que quanto mais estudava menos sabia de arte. Ia a muitas exposições e parecia que quase já não sentia nada. A Pop Art tem uma mensagem direta, que emociona. Quando alguém se depara com um trabalho meu, mesmo que não tenha conhecimentos sobre o que ali está representado, tem um movimento de reconhecimento.
Parte frequentemente de obras e retratos existentes. O seu trabalho poderia chamar-se arte de tributo?
Sim. E é importante referir que o meu trabalho tem uma importante componente pedagógica. Por exemplo, tenho uma obra sobre Amália Rodrigues, intitulado As Três Faces de Amália, em que trabalho sobre uma fotografia de perfil do rosto dela e incluo a representação do quadro O Fado (1910) de José Malhoa e a letra original do tema que Amália encomendou quando viu esta pintura… É uma homenagem mas vai além disso. Mas tenho outras ramificações no meu trabalho: por exemplo, veja-se o trabalho Selfie Dolar, que representa uma nota de dólar com um espelho lá dentro….
Como é que se tornou embaixadora da exposição? E sendo Roy Lichtenstein um nome tão reconhecido, porquê a necessidade dessa figura?
Há alguns anos, fiz uma exposição para o Casino de Lisboa, aí apresentando I Love You, a minha primeira série que envolvia banda desenhada e nada tinha a ver com o trabalho plástico sobre ícones. Uma amiga, que trabalhava na agência State of the Arts, viu um dos meus quadros então produzidos no gabinete da presidência do Estoril e disse: “Isto é muito giro.” Já tinha havido outros embaixadores associados a anteriores exposições integradas na iniciativa A Arte chegou ao Colombo, como por exemplo a da Paula Rego. Ao ser convidada para ser embaixadora, propus-me fazer um trabalho que já tinha pensado há muito. Vejo-me como embaixadora mais no sentido do meu contributo estético e artístico para o projeto. Quem conhece o meu trabalho, percebe que a obra de Lichtenstein teve muita importância para mim. Tudo acabou por se harmonizar.
De que forma é que Lichtenstein é importante para si?
Fui vítima de atropelamento quando tinha dezassete anos e estive hospitalizada durante bastante tempo. Como tinha muita vergonha de estar internada, evitei contar às pessoas, e passava muito tempo sozinha. O meu pai [o escultor e pintor Carlos Vidal], que é o meu mentor e o responsável pelo atelier Relevo onde aprendi todas as minhas competências artísticas e técnicas, um dia chegou-se ao pé de mim e deu-me um livro do Lichtenstein. Deparei-me com uma obra sua, Sunrise, e comecei por fazer aquele desenho vezes sem conta num caderno. Passados anos, apercebi-me que me tinha inspirado muito nele. Foi um artista que me deu força numa situação pouca esperançosa: deu-me vontade de ver o sol nascer. E a estética dele interessa-me muito assim como o facto dele também ter passado por vários processos até encontrar a sua linguagem. Todos procuramos encontrar um traço artístico que seja reconhecível, e ele conseguiu-o. E Lichtenstein também criou muitas homenagens a vários artistas: isso é de uma grande humildade, saber quem nos inspirou e reconhecê-lo.
A Pop Art continua a ser o movimento artístico que chega mais rapidamente ao público?
Sim, acredito nisso. Eu também gosto de arte conceptual, mas a Pop Art é, como diz o Andy Warhol, uma bomba. Para mim, o interessante é o que se consegue fazer com tão pouco. Basta um traço, uma palavra, uma pequena intervenção, para a obra ganhar impacto: veja-se o exemplo da escultura Love do Robert Indiana. A Pop Art é muito gráfica, mas tem que passar uma mensagem.
Diz querer acender um foco de atenção para a Neo Pop Art. Porquê?
Eu não estou a criar nada de novo, faço Neo Pop Art porque é a minha forma de me exprimir. Crio um vocabulário pessoal que se pode enquadrar nessa estética com que me sinto identificada, confortável e com a qual me emociono. Os meus trabalhos são sempre autobiográficos. O meu objetivo é que o meu trabalho seja acessível a todos. Se é ou não Pop Art… As definições não, por vezes, limitativas.
Hoje, com a cultura das redes sociais por exemplo, crê que corre o risco de as pessoas olharem para o seu trabalho e sentirem que eles poderiam fazer o mesmo?
É uma luta diária. No meu caso, sou avessa às redes sociais e isso prejudica-me. Hoje em dia, com um iPhone consegue-se logo fazer uma montagem. Eu uso um computador antigo só para fazer uma maquete, mas depois trabalho tudo à mão. O meu trabalho é muito técnico, e de matéria. Uso materiais como a fibra de vidro, resina cristal e poliestireno expandido. Precisamente para colocar este meu discurso da Pop Art num outro lugar, que não é o da colagem ou da impressão ou da montagem. Entendo a questão do grafismo e da composição por si só, mas eu quero fazer mais: quero criar um todo, uma escultura que é também pintura e mais.
Fale-me da escolha do nome Rueffa, tão semelhante ao da comediante Maria Rueff.
Sempre amei a Maria Rueff, hoje somos amigas e até já lhe pedi desculpa por lhe ter roubado o nome e acrescentado um “a” (ri-se). Quando eu era mais nova, queria ser atriz comediante. No secundário, eu era uma espécie de palhaça da turma que entretinha toda a gente no intervalo das aulas, imitando as personagens da Maria: o Zé Manel, a Manuela Moura Guedes… E houve um auxiliar da escola que me disse: “Tu pareces mesmo a Rueffa.”E eu disse: “É Rueff.” Entretanto, surgiram os blogues, a questão de um nickname, e como gostei sempre de ser um bocadinho diferente – e como não gosto do meu nome verdadeiro – resolvi usar o Rueffa.
Que outros projetos tem, a seguir ao live painting na finissage de Roy Lichtenstein e a Pop Art?
Acabei de expor em Nova Iorque e estou a ponderar uma possibilidade de expor no Dubai. Entretanto, estou a preparar uma obra minha, em que represento o Marques de Pombal, no âmbito da street art.