Doze homens pisaram, até hoje, a superfície da Lua, mas, até 2010, apenas nove homens tinham escalado sem oxigénio as 14 montanhas da Terra com mais de 8000 metros. João Garcia foi o décimo homem a conseguir semelhante feito e o que faz um alpinista depois de cumprido esse objetivo foi uma das coisas que com ele conversámos. Entre muito mais, ficámos a saber do seu amor pela liberdade e que, hoje, mais do que nunca, ele é um explorador que procura e percorre na montanha caminhos nunca antes trilhados.
Como é que sentiu o terramoto no Nepal?*
* Entrevista feita dois dias depois do primeiro sismo no Nepal.
Com muita tristeza, uma vez que é um país para onde eu já viajei mais de 30 vezes, onde já passei mais de três anos da minha vida e onde criei laços de amizade. Sendo um país onde eu também trabalho, levando pessoas para passeios de montanha em busca de aventuras controladas e paisagens fantásticas, foi uma preocupação perceber a gravidade dos acontecimentos.
Qual foi o impacto cultural que teve, se teve, o seu contacto de anos com os povos e a natureza dos locais onde tem escalado, pelo mundo fora?
Eu comecei a apaixonar-me pelas montanhas e pelo desafio de subir montanhas há muitos anos e isso levou-me a viajar para ir ao encontro dessas montanhas, que geralmente estão em países longe de Portugal. São, muitas vezes, povos que vivem em locais remotos e as montanhas acabaram por ser barreiras naturais. O Nepal faz a fronteira entre o Tibete e a Índia, e, ainda hoje, para se ir de aldeia em aldeia, não há outra forma de o fazer senão a pé em percursos de vários dias. Estas viagens fizeram-me ter um grande contacto com estas pessoas, que têm um modo de vida bastante simples, e é nesta cultura de simplicidade que, se calhar, se está mais próximo de atingir a felicidade.
É aí, nas montanhas, que encontra a felicidade?N
as montanhas, encontro desafios e realizo-me enfrentando esses desafios. Como deve calcular, as tarefas fáceis não me seduzem. É a grande dificuldade que me atrai.
Qual é o efeito que as horas em silêncio e os dias passados com meia dúzia de vocábulos têm em si? Torna-se tagarela quando reencontra pessoas? Perdem-se noções de civilidade?
Tornei-me um alpinista porque consigo conciliar uma série de fatores físicos, fisiológicos, desportivos, mas também de personalidade. Sempre fui uma pessoa que me dei bem sozinha. Subir estas montanhas exige muita paciência, é preciso adaptar o organismo ao ar rarefeito, ao frio, e pressupõe algum isolamento. Ao contrário do Evereste, que é uma montanha à parte, de uma maneira geral, nestas montanhas de grande altitude, não há multidões. São escaladas por grupos de oito, dez pessoas, no máximo. É preciso ter muita endurance, sobretudo mental, para esperar 20, 30 dias por uma janela de oportunidade, por um dia de bom tempo para ir lá acima ao cume. Esta escola de paciência acaba por nos treinar para estarmos tranquilos quando estamos em silêncio. O tempo é algo que é relativo.
Descubra no site da Espiral do Tempo a entrevista a João Garcia