A produção de ciência marca cada vez mais a atualidade, mas a literatura continua a ter a capacidade de a antecipar através da ficção
George Orwell imaginou uma sociedade que se torna totalitária graças ao uso generalizado de câmaras de filmar quando essa tecnologia estava ainda longe de o conseguir. Mas, passados mais de 60 anos, muito do que ficcionou antecipou a própria realidade.
Como lembrou o escritor Rui Cardoso Martins na última tertúlia Jornalismo&Literatura, tanto a ciência como a literatura começam grande parte da sua atividade com um simples “E se…” E se toda a sociedade fosse controlada por um Big Brother? E se o crescimento de células malignas pudesse ser interrompido por um transplante?
Da dúvida se alimenta a criatividade e com esta se chega ao conhecimento, num movimento que tem pouco de estanque. O fundador de Produções Fictícias e autor de E Se Eu Gostasse Muito de Morrer questiona: “É o escritor que antecipa um grande progresso científico ou é o progresso imaginado que serve para sonhar?”
Na verdade, o importante é continuar a fazer perguntas, como notou a jornalista da revista VISÃO, Sara Sá, para quem “um dos objectivos da ciência é explicar a criação”. Do universo, mas não só.
Embora a associação da ciência à criatividade nem sempre seja óbvia, porque mais facilmente a ligamos a literatura ou pintura, a verdade é que “para ser cientista é preciso ser criativo e ver problemas onde eles parecem não existir”.
O neurologista norte-americano, Oliver Sacks, autor do livro O Homem Que Confundiu a Mulher Com Um Chapéu“, é apenas um dos exemplos de como literatura e ciência podem ter mais em comum do que geralmente se admite. A jornalista que escreve sobre ciência recordou as palavras de Sax: “Como narrativa, somos únicos”.
Se, como notou Sara Sá, “a ciência dá excelentes enredos para a literatura”, a “mistura de áreas diferentes é já muito criativa”, diz Teresa Gomes Mota, cardiologista e autora de vários livros, como O Admirável Placebo e Alma de Isabel
Criativos não são apenas os escritores, nem sequer os cientistas. “Somos todos”, afirma a médica, para quem “a criação é uma forma interessante de conhecermos a realidade”.
Uma realidade, diz Pedro Camacho, director revista VISÃO, “dominada pela Medicina e pela Ciência”. De tal forma que uma das grandes questões das sociedades modernas será: “Até onde podemos ir?”
A pergunta fica. Porque de pouco servirá um avanço da ciência esquecido da ética, como prenunciou a obra de ficção de Orwell.
Dilemas como este foram discutidos na sétima tertúlia Jornalismo&Literatura, dedicada ao tema A Ciência e a Criação, organizada pelo Clepul (Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias), núcleo de Jornalismo e Literatura da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e apoio da revista VISÃO.