O discurso flui, sem debitar conceitos prontos a consumir. O rigor é uma regra que a artista plástica Ana Santos cultiva, com voz doce. As várias exposições que já fez, algumas a solo, lembram espaços arqueológicos: há objetos espalhados a pedir para serem decifrados. Aqui, um círculo apoiado em duas garrafas invertidas e equilibradas no chão, acolá um tampo de mesa pintado e com uma esquina a descolar, além um bloco de pedra onde pousa um emaranhado de fios de nylon cor de laranja… São obras que exigem “disponibilidade”, descreve ela, para serem entendidas.
“O meu trabalho vem muito da relação com os próprios materiais. É a tentativa de associar coisas que, à partida, são distantes e não fazem sentido juntas”, explica.
Nascida em Espinho, recorda-se de sempre ter gostado de criar: fossem os objetos de barro e as sombras chinesas, na infância, ou as reciclagens feitas para os cenários das peças do Teatro Popular de Espinho, na adolescência.
“Essa dinâmica de transformar cadeiras em outra coisa qualquer, é capaz de ter sido importante…”, sussurra. O percurso fê-la enveredar pelo curso de Escultura, na Escola de Belas-Artes do Porto, onde, nos primeiros anos, saía das suas aulas e ia “ver” o que se passava numa outra turma de pintura. “Aprende-se muito a ver os colegas, as pessoas.” Seguiu-se o curso de Criatividade e Criação Artística, da Fundação Gulbenkian, em 2006, e um ano de desenho na Ar.Co. Pelo meio, algo diferente: um ano numa escola alemã, ao abrigo do programa Erasmus.
Cá fora, o mundo apresenta-se-lhe cheio de perdidos e achados para trabalhar. “É como se eu visse o mundo todo sem hierarquias a luz, os objetos, as pessoas. O que é interessante é esta noção de liberdade total, porque tudo é possível”, conta. No ateliê, Ana tenta perceber-lhes as formas, ouvir-lhes as vozes, procurar sintonias. Um processo “preciso, nada aleatório”. “Há uma arrumação do caos do mundo”, diz. Mesmo que pareça estar apenas a colar dois pedaços de madeira de balsa: “Quando encontras um entendimento com aquilo que estás a fazer, e a obra funciona, é uma espécie de ‘ah, ah!’. É como se tivesse conseguido resolver um enigma complexo, e traduzi-lo de forma abstrata. Esse enigma tem a ver com o mundo. E esse momento de ligação cósmica dura um milésimo de segundo, mas o sentido dos artistas é devolverem isso aos outros.”
BI
Idade: 30 anos Atividade: Artista plástica, trabalha muito com materiais quotidianos e objetos encontrados, tendo já efetuado várias exposições a solo
A escolha de… Julião Sarmanto
Artista Plástico
“É uma das artistas mais interessantes da sua geração, não só pelas características do trabalho que apresenta mas também pelo seu próprio discurso. Apesar de ser muito nova, é rigorosa, muito reta na sua atitude em relação ao espetador, e tem um trabalho sólido, austero, inteligente, de enorme profundidade e extremamente atual. Entre as propostas que nos são feitas pelos artistas da sua geração, a sua é uma das mais interessantes.
Por isso, decidi escolhê-la para uma espécie de artista do futuro mais próximo.”