Uma da tarde. Entramos pela porta da Quinta da Calçada, em Amarante. Aqui funciona o Largo do Paço, o único restaurante com uma estrela Michelin acima de Coimbra. Vitor Matos, 34 anos, é o chef que, há um ano, define os menus em função do calendário e da época. Ele encaminha-se agora para a Caravana VISÃO, a puxar um carrinho de mão. Atrás vem o “seu” cozinheiro de 1ª, Duarte, também ele carregado. Trazem duas caixas pretas térmicas e uma pequena geleira azul.
Estacionamos no parque ao pé da piscina, com vista desafogada sobre a cidade. Abrimos o toldo, montamos a mesa e as cadeiras de campismo. E deixamos os três bicos do fogão nas mãos do chef. Hoje, o nosso almoço fica ao seu critério. Vitor Matos aceitou o desafio de fazer uma refeição gourmet a bordo da autocaravana.”Vou cozinhar quatro pratos”, revela, enquanto espalha os ingredientes pelos bancos e por cima do frigorífico. Os pratos ficam na mesa mais pequena e hão de ser limpos com álcool antes do empratamento. De repente, onde antes se amontoavam as nossas papeladas, encontramos agora germinados, frutos silvestres, cogumelos enoki, chicória, sumo de laranja…
Na “esplanada, Anabela Ribeiro, fardada a rigor, vai pondo a toalha, os copos, os guardanapos. Serve água e espumante da Quinta da Calçada. Vem mesmo a calhar com o calor destes primeiros dias de junho. A azáfama continua dentro da autocaravana. Os dois cozinheiros estão agora a empratar o Foie Gras (que veio bem acondicionado na geleira), com frutos silvestres e figo, que vai passar a constar da ementa de verão do restaurante. Marcos Borga não larga o botão do obturador. Eu aguardo que me sirvam. Enquanto elogio a mousse que acabei de tragar, o chef anuncia: “O próximo prato ainda será melhor.”
Vítor Matos nasceu em Vila Real, mas emigrou com os pais para a Suiça. Foi lá que tirou o curso de cozinha e pastelaria. Ainda se estreou em Neuchâtel, mas, depois de 10 anos fora, regressa à terra natal. Como todos os chefs, passa os primeiros tempos numa vida itinerante, passando pela Curia, Nelas, Vidago e Porto. É daí que salta, em 2010, para Amarante, quando Ricardo Costa larga o restaurante e lhe deixa a estrela Michelin para cuidar. Em 2003 vence o concurso Cozinheiro do Ano.
O carabineiro cozinhado a vapor aromático, com puré de salsifis, molho de moqueca e ar de laranja pousa na mesa. Veio de Sagres e está fresquíssimo. O chef gosta particularmente deste prato. Sente-se o prazer que retira do que acaba de comer, ainda que tenha de rapidamente saltar outra vez lá para dentro para terminar a próxima iguaria. É apanhado a raspar uma trufa toscana, que custa a módica quantia de €600 o quilo.Minutos depois, pergunta da janela: “Pode ser mal passado?” Anuímos.
Começou a cozinhar por influência da mãe, que fazia desse verbo profissão. Sabe que é um lugar-comum, mas no seu caso não consegue fugir dessa fatalidade. As sopas à lavrador da sua avó, cozinhadas em pote de ferro à lareira, são das melhores recordações das férias de verão em Vila Real, quando ainda estava emigrado. Hoje, lamenta, já ninguém faz uma sopa desse calibre.
O novilho alentejano, com carimbo DOP, vem com molho de vinho tinto, puré de cenoura, coco e baunilha, batatas bravas, cogumelos silvestres, tomilhos e as ditas trufas. A carne acabou por não vir mal passada, calcula-se que as condições de confeção não tenham sido as melhores… O chef abastece-se nos mercados para os produtos mais frescos, o marisco e o peixe vêm do Algarve, os legumes em miniatura de Madrid, as flores comestíveis e ervas aromáticas biológicas de Vila Real.
Não consegue classificar a sua cozinha… Mas fala de consistência, de conseguir todos os dias a mesma qualidade. E das influências de tudo o que já viu, sempre baseado em produtos da época e de grande qualidade. Tem o enorme privilégio de não sentir pressões para procurar matéria-prima inferior. O seu maior louvor vai para a “brigada”, pois sem ela não conseguiria manter o nível, que agrada aos inspetores da Michelin.
O remate já chegou e nem está derretido! Duarte vem com uma pinça e coloca uma flor roxa comestível para dar um toque mais exótico à sobremesa. Trata-se de uma tarte de limão, limequat (um citrino que cruza a lima com o kumquat), trufa de laranja e sorvete de tangerina. “A trufa é para se comer toda de uma vez”, ensina o chef. Obedecemos, deliciados. O almoço chega ao fim. Vítor tem de sair, está empolgado com as compras que irá fazer para a festa de aniversário da sua filha, organizada por ele próprio, no fim de semana.
Apesar de trabalhar num restaurante cheio de insígnias (estrela Michelin, Best Wine restaurant, Relais & Châteaux), onde o menu degustação pode chegar aos €100, Vítor Matos é a simplicidade em pessoa. Não gosta de show off, mantém-se meio-escondido no seu cantinho, define-se como informal e muito brincalhão. “Cozinhar é divertido. Tem de ser.”
Comer, a este nível, ainda é mais.