Lisboa tem passado por uma revitalização urbanística intensa, assente em variadíssimos projetos que deram cara lavada à cidade. E se é um facto que muitos têm sido os promotores imobiliários a contribuir para esse feito, poucos são aqueles que podem reivindicar o estatuto de terem contribuído, de forma indelével, para a recuperação de um bairro, tornando-o mesmo um dos ‘mais trendy’ da Europa, com direito a distinção internacional pelas plataformas especializadas. Falamos do Príncipe Real e da Eastbanc, promotora fundada pelo americano Anthony Lanier, que nos últimos 20 anos adquiriu cerca de uma vintena de imóveis, quatro dos quais palacetes, a esmagadora maioria destinada a comércio e retalho. Tiago Eiró, há quatro anos a liderar os destinos da Eastbanc, conta à Visão Imobiliário quais os planos da empresa para os próximos tempos, a vontade em fazer habitação social e porque razão os vistos Gold não afetam a empresa, entre outros temas.
A Eastbanc tem uma postura diferente da maioria dos promotores e entre os seus mais de 20 imóveis, poucos são os que se destinam a residencial de luxo, o mais habitual nos projetos que vão surgindo nestas zonas mais caras de Lisboa onde não falta procura… Como se explica?
De facto, muitas pessoas nos perguntam porque não nos dedicamos à habitação que está tão na moda…Isso tem a ver com o facto do nosso projeto ser mais vasto do que um edifício apenas. Temos em mãos um projeto de bairro e há aqui um equilíbrio que gostamos de manter. Venho da área dos centros comerciais (ex-Sonae Sierra) onde se preza muito o chamado tenant-mix, uma mistura de lojas equilibrada para que as pessoas se sintam atraídas a ir ao shopping e aqui é um bocado a mesma coisa… Valorizamos os diferentes usos. Temos habitação (um só edifício, o Palácio Faria totalmente vendido durante a pandemia), escritórios, vamos fazer uma residência de estudantes e um edifício com serviced apartments, temos retalho… Sentimos que este bairro é um bocadinho responsabilidade nossa. E hoje é um bairro equilibrado. As pessoas que trabalham cá também movimentam o local. Temos muitas pessoas que são nossos inquilinos de escritórios e que gostam muito de cá estar, temos inquilinos antiquários, por exemplo, porque era o que mais havia por aqui e nós continuamos a mantê-los (às vezes a muito custo…), porque sabemos que tudo isso faz parte deste ambiente que queremos equilibrado… E a verdade é que o bairro hoje tem portugueses e estrangeiros, tem conceitos mais inovadores e preserva os conceitos mais antigos. Um outro exemplo: o edifício onde estamos neste momento, o Palácio Anjos, com uma área de 3.500 m2, vai entrar em obras e vai destinar-se a escritórios e retalho.
Tal como o Alegria One, localizado entre a Avenida da Liberdade e a Praça da Alegria (e que foidistinguido no Salão Imobiliário de Lisboa 2022 com o prémio de melhor projeto de reabilitação urbana, na categoria de retalho e serviços). É lá que se instalou a Dior que escolheu este espaço para a abertura da sua primeira loja em Portugal. Quando abre a loja?
O Alegria One, o último edifício que terminámos, já está 100% ocupado e vai ter escritórios e retalho. Um dos ocupantes é a Dior, que neste momento está em obras e vai abrir até ao final do ano. A Dior ocupou uma área de 1000 m2 dos cerca de 2100 m2 de área útil.
Quanto é que a Eastbanc já investiu até hoje e quanto vai investir ainda nos próximos projetos?
O que investiu até hoje é de difícil resposta, mas está tudo num fundo que vale 130 milhões. É um fundo de reabilitação, tutelado pela CMVM, e que está avaliado constantemente. Em pipeline temos cerca de 10 projetos, um investimento de quatro, a cinco anos, que vale 70 milhões de euros. Mas queremos crescer mais, queremos aumentar esse fundo e ponderamos a entrada de um eventual investidor para isso. Estamos também a querer fazer projetos maiores, logo com montantes mais elevados. Temos estado a tentar sair do bairro, sair do Príncipe Real para fazer edifícios maiores, com mais escala.
Sair do bairro significa…
Temos dois ou três bairros identificados e gostávamos de contribuir para a sua valorização. Gostamos muito da zona que vai do Cais do Sodré até Santos, uma zona que hoje em dia já está bastante desenvolvida, tem habitação e escritórios, mas falta-lhe retalho. Outras zonas são Alcântara e Marvila. Queremos contribuir para o mesmo ambiente que se vive aqui, em Campo de Ourique ou Alvalade – bairros onde as pessoas trabalham, fazem compras, vivem, vão ao quiosque, vão ao café, isto é único… O tal conceito da cidade dos 15 minutos.
Relembre-me em que altura Anthony Lanier começou a adquirir os imóveis do Príncipe Real?
Numa altura em que a Baixa estava morta, não havia nada, metia medo… Foi entre 2004-2006 que nós comprámos aqui a maior parte destes edifícios. E sempre quisemos estar a longo prazo, constituir esta teia de diferentes coisas em que cada uma aumenta o valor das outras.
Como se ganha resistência à morosidade que existe na autarquia de Lisboa relativamente aos licenciamentos?
Hoje é mais fácil dialogar com a Câmara, vê-se que há muita vontade de que este problema se resolva. Continuamos a estar não totalmente satisfeitos porque temos licenças que já deveriam ter saído, o ano passado não saíram as licenças que esperávamos que saíssem, temos esperança que saiam este ano, mas os processos vão avançando, há mais facilidade de diálogo. Há mais vontade até porque há esta constatação de que é preciso construir Habitação e por isso é necessário desbloquear os processos. E os nossos são mais difíceis porque são longos, têm muita história, alguns são edifícios classificados… Este edifício onde estamos (Palácio Anjos) é um exemplo – esteve praticamente licenciado na vereação anterior mas quando chegou lá acima houve um impasse, uma vontade de mudar qualquer coisa e nós tivemos que esperar pela nova vereação, já entrou há um ano e meio e estou agora a ter a licença. Para mim, os processos de licenciamento deveriam demorar seis meses, no máximo. O que diz a lei são três meses mas a realidade, em média, demoram dois ou três anos…
O Programa Mais Habitação prevê agilizar os licenciamentos… Quais são as suas expectativas?
Estamos expectantes. Temos participado no processo, não só no Mais Habitação como na Habitação Acessível. A Eastbanc, nos EUA, tem habitação de luxo com habitação social e funciona, a qualidade é quase a mesma. É preciso perceber porque é que lá fora se consegue fazer isto e cá não. Mas acho que o processo está a andar, há muita vontade… O Mais Habitação trouxe para a praça pública a discussão sobre uma necessidade que é preciso resolver e o Estado tem consciência que não consegue resolver sozinho, só que tem de fazer processos mais flexíveis pois só nos deparamos com regras e regras… Por exemplo – em Portugal não se consegue fazer uma habitação com menos de 50 m2 mas se queremos fazer habitação acessível, porque não fazer casas mais pequenas, com 30 ou 40 m2? Em Portugal há capacidade, vontade, know-how, dinheiro… Lá fora, em países como Espanha, França ou EUA, por exemplo, o segmento de habitação acessível para arrendar é o que está a crescer mais e cá não se está a fazer o mesmo. É preciso perceber porque o mercado de arrendamento não cresce.
O fim dos Vistos Gold não vos afeta?
Não temos esse mercado, não fazemos apartamentos pequeninos, não vendemos, portanto, não vai ter impacto algum. Mas o impacto que o programa Mais Habitação nos traz, todas estas alterações, é criar entropias… Por exemplo, os nossos inquilinos são nossos parceiros porque nos apoiámos durante a pandemia, eles acreditam em nós e a relação estreitou-se. Hoje é muito mais fácil gerir os inquilinos, as coisas estão a correr bem, pagam a renda a horas, cada vez que há um problema olhamos para ele e resolvemos em conjunto. Mas surgiram todas estas alterações… Nós temos aqui contratos assinados com opções de saída, queremos fazer obras e quando vêm estas leis, essas opções já não são válidas… Acho que à medida que se restringem as coisas, quando se mudam as leis, tudo se torna mais difícil… É mais difícil reabilitar, fazer projetos novos… E a cidade precisa de habitação, precisa de escritórios. A principal razão de os preços subirem ou manterem-se altos é a falta de produto.
Nós vamos continuar a investir, estamos a entrar em novos sectores, temos um hotel para fazer, agora vamos fazer uma residência para estudantes, vamos alargar o nosso âmbito, temos capacidade mas quanto menos restrições houver melhor. Se o Estado amanhã vier oferecer os imóveis que tem e os puser no mercado, nós vamos estar disponíveis para fazer alguns deles. Recentemente disse à vereadora Filipa Roseta que a Eastbanc está disposta a fazer habitação social. E há vários investidores com esta vontade. A Eastbanc gostava muito de fazer casas mais económicas para os portugueses para os manter no bairro, agora é preciso que o Estado ajude de uma forma equilibrada… Qualquer investidor tem o seu plano de negócios, nada tem a ver com ser ganancioso. É preciso é que exista equilíbrio. É preciso ver se a concessão é demasiado curta ou há demasiados impostos … Mas acho que estamos mais perto de que as coisas aconteçam e estamos cá para fazer. Tal como vamos fazer uma residência de estudantes porque surgiu a oportunidade, amanhã poderemos fazer habitação social.
Dos cerca de 20 imóveis da vossa carteira, quantos ainda se mantêm na Eastbanc?
Nos últimos três anos juntámos mais quatro edifícios, portanto, continuamos estrategicamente no bairro. O único edifício que vendemos foram os apartamentos do Palácio Faria. Tudo o resto está arrendado. Mas em projeto, vamos ter mais quatro edifícios de residencial. E acreditamos muito no mercado de arrendamento.