O papão da inflação começou a agitar os mercados imobiliários – residencial e não residencial – estávamos ainda a um bom par de meses de terminar 2022, mas com 2023 já folgadamente instalado, o cenário catastrofista é agora bem diferente. Quem assistiu à conferência da consultora CBRE que hoje se realizou no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa – evento que contou com muitos investidores estrangeiros na plateia – fica precisamente com essa perceção – este ano poderá não bater os máximos históricos alcançados em 2022 mas não ficará muito atrás… O que dando o desconto de tal desempenho ocorrer em cenário de crise se traduz num resultado surpreendentemente positivo.
Senão vejamos: o mercado de investimento imobiliário comercial (dito de rentabilidade e que compreende a aplicação de capital em ativos como escritórios, retalho, hotelaria, armazéns de logística, etc) fechou 2022 com a captação de 3,3 mil milhões de euros para capital investido (mais de 70% de fundos estrangeiros) e em 2023 o montante esperado ronda os 3,1 mil milhões de euros. Edifícios de escritórios, hotéis, equipamentos logísticos e um bónus, a reativação de grandes negócios no segmento de retalho através de transações de centros comerciais, compõem as boas previsões que se esperam para o setor ao longo dos próximos meses.
“Em 2022, Portugal teve o melhor crescimento económico desde 2017, o segundo mais elevado da Europa. Para este ano, as previsões económicas apontam para que consiga o terceiro melhor desempenho da zona Euro (depois da Irlanda e Espanha) e isso, claro, reflete-se no investimento imobiliário”, sublinhou Cristina Arouca, head of Research da CBRE Portugal, na apresentação da análise feita pela consultora, acrescentando que a previsão dos 3,1 mil milhões de euros feita pela CBRE tem em conta os negócios já em curso e em fase de finalização e outros que se estima sejam fechados ainda este ano.
No retalho vai haver “surpresas, apesar de ser um ano marcado pelas restrições no consumo”, adiantou Cristina Arouca, sublinhando que são esperadas “transações de centros comerciais onde é possível acrescentar valor”.
Neste segmento, há ainda novidades ao nível dos retail parks, bastante úteis durante a pandemia e um formato que continua a despertar interesse dos investidores. “É um mercado que demonstra muita resiliência. Em 2022 foram concluídos quatro a nível nacional e há mais 10 na calha, um já em desenvolvimento”, revelou Nuno Nunes, responsável pelo departamento de Capital Markets da CBRE, que em conjunto com Cristina Arouca teve por missão anunciar as previsões deste mercado para este ano.
No comércio de proximidade, uma nota para “os supermercados que continuarão a sua luta feroz pelas boas localizações”, reforçou ainda o diretor do departamento de Capital Markets da CBRE.
Na área de escritórios, segmento que bateu recordes de ocupação em 2022 ao atingir-se 272 mil metros quadrados de ocupação, também se espera uma boa dinâmica ainda que mais contida. “Muitos auguraram que com a pandemia o mercado dos escritórios ficaria em risco.. Pois não só não morreu como 2022 foi o melhor ano de sempre em termos de ocupação com 272.000 m2. Em 2023 as empresas vão continuar a procurar espaços com qualidade, alinhados com as regras ESG (“environmental, social and governance”) e também flexíveis, pois já se percebeu que este registo funciona bem. Por isso continuaremos a ver grandes empresas a repensar os seus espaços e não só em Lisboa e Porto mas também para outras cidades”, disse Nuno Nunes. Para os escritórios estão previstos cerca de 200.000 m2 de área ocupada em Lisboa em mais 60.000 para o Porto, em 2023.
A procura por edifícios de escritórios, não só amigos do Ambiente mas também dos colaboradores, continuará a marcar o setor e como a oferta qualificada em Portugal ainda é escassa, haverá certamente aumento nas rendas. “Prevemos um acréscimo na ordem dos 5 a 10%. Em Lisboa, por exemplo, os preços praticados no centro situam-se, em média, nos 27€/m2 mas poderão atingir os 30€ ao longo deste ano. No Porto, na zona prime, deverá chegar aos 20€/m2”, especifica Cristina Arouca.
Em foco irá estar também a hotelaria. “Apesar da inflação e das quebras previstas no consumo as pessoas vão continuar a viajar… E em 2023 vão abrir mais hotéis sendo que 70% dos quartos estão integrados em unidades de quatro e cinco estrelas”, adiantou Cristina Arouca.
Um dos setores-estrela de 2022, a logística, vai continuar a sua trajetória ascendente. “A pandemia e agora a guerra na Ucrânia levaram à necessidade de criação de stocks e, consequentemente, percebeu-se a importância da logística que só em 2022 movimentou a ocupação histórica de 400.000 m2 em todo o país”, especificou Nuno Nunes. Este ano, e com as necessidades a manterem-se, espera-se igual frenesim, com uma nota, acrescenta o responsável: “A expansão para fora de Lisboa e Porto em zonas como Santo Tirso, Trofa, Grândola ou Santarém, pois os operadores estão a deslocar-se à procura de terrenos fora das zonas consolidadas.
A nota menos positiva foi para o mercado residencial – que em 2022 ficou marcado pela venda de 170 mil casas -, onde não se esperam grandes feitos. “Haverá uma estabilização no número de casas vendidas sem grandes reflexos nos preços que continuarão a subir ainda que a diferentes velocidades consoante as localizações”, apontou a diretora de Research da CBRE. Para este mercado, recorde-se, esperam-se momentos ainda mais difíceis com o anúncio hoje feito pela presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, de subida de 50 pontos base e que poderá afetar ainda mais as famílias com créditos habitação de taxa variável.
A responsável deixou, por isso, um apelo aos vários representantes da banca, presentes na conferência: “Caberá agora aos bancos a renegociação com as famílias para que não aconteça, como em outras crises, o disparar das taxas de incumprimento…”.