O ano que agora finda não podia ter corrido melhor à Portugal Sotheby’s Realty, marca especializada no segmento imobiliário de luxo. Com um crescimento homólogo da faturação de 40%, entre janeiro e outubro de 2022, a empresa fechou 477 transações nesse período, com um preço médio de transações superior a um milhão de euros. Um resultado que só esperam ultrapassar em 2023. “O mercado vai continuar muito robusto, em termos de procura, para o segmento alto em Portugal. E não, não acredito que os preços neste segmento venham a baixar em 2023”, realça Miguel Poisson, CEO da Sotheby’s à VISÃO Imobiliário. O responsável rejeita a tese popular de que sejam os compradores estrangeiros a provocar um empolamento dos preços das casas nos centros das duas principais cidades do País e pede uma análise séria aos problemas estruturais que há muito minam as autarquias no que aos licenciamentos dizem respeito. “Licenciamentos muito longos e mudanças de regras a meio do jogo como aconteceu com os Vistos Gold são dois cancros que temos, infelizmente, presentes no nosso mercado imobiliário”, atira o responsável.
O imobiliário de luxo está imune à subida das taxas de inflação ou está a prever algum impacto negativo?
É de esperar que ocorra um impacto no mercado imobiliário pois a inflação reflete-se no aumento do custo de vida médio das pessoas e com níveis de poupança mais reduzidos a disponibilidade para poder fazer face a um determinado valor de empréstimo é menor. Portanto, há efetivamente uma relação direta entre o aumento das taxas de juro e o setor imobiliário. Agora, para o segmento em que atuamos, a verdade é que o recurso ao crédito é muito residual. Para ter uma ideia, os nossos negócios são feitos quase na totalidade com capitais próprios dos clientes. Portanto para o próximo ano a expectativa que temos é que o mercado continue muito robusto em termos de procura para o segmento alto em Portugal. E não, não acredito que os preços neste segmento venham a baixar em 2023.
Qual é o peso dos portugueses e dos estrangeiros na vossa faturação?
Cerca de metade dos nossos compradores são estrangeiros e até é expectável que no próximo ano esse peso aumente. Acreditamos que a procura por parte dos estrangeiros vai continuar.
O primeiro-ministro disse que o Governo está a ponderar terminar com os Vistos Gold…
Os Vistos Gold são olhados muitas vezes como um instrumento de benefícios fiscais e que trazem um impacto enorme no aumento dos preços. Mas isso não é assim. Objetivamente, e de acordo com SEF, o valor das operações que envolveram vistos Gold em 2021 representou 1,6% do total investido no mercado imobiliário português! É totalmente residual. É impossível que 1,6% de transações ditem os preços do mercado! Porém, os vistos Gold são um instrumento muito importante para atrair investidores e para ser usado na divulgação do País. É um instrumento que não custa dinheiro ao Estado, ao contrário de outros incentivos fiscais que têm um custo estatal. Portanto, só beneficia o País. O grande problema é a possibilidade de alguns poderem estar relacionados com branqueamento de capitais. Ora, existindo essa preocupação, então que se aja diretamente sobre essa componente, com uma maior análise e auditoria sobre cada candidato de forma a diminuir ao máximo esse risco. Mas não faz sentido matar-se um produto que pode beneficiar muito o País. Os preços das casas estão elevados no centro de Lisboa porque existe uma procura muito superior à oferta, um desequilíbrio assente em problemas estruturais ao nível das nossas autarquias, sobretudo nas principais cidades do País… Apesar de ter havido algumas melhorias em certas autarquias, o que é um facto é que o processo continua a ser demasiado moroso.
Que feedback tem por parte dos promotores com quem trabalham?
Temos trabalhado com muitos investidores e promotores imobiliários de grande dimensão que experimentam vir para Portugal e quando percebem que precisam de três, quatro ou cinco anos para verem o projeto nascer, pura e simplesmente desistem. E enquanto não se olhar para isto como uma questão verdadeiramente estruturante na questão do aumento do preço do imobiliário, nada vai mudar. Não só os licenciamentos demoram muito tempo, como tem de haver um alinhamento maior entre os técnicos das câmaras e os investidores porque, no fundo, eles deveriam estar a trabalhar numa causa comum e nem sempre isso acontece. Ao existir tanta morosidade em Portugal, alguns investidores estrangeiros fazem o primeiro projeto mas já não fazem o segundo. Como não há oferta suficiente no mercado e há muita procura, os preços aumentam! E não só: imagine um promotor que recorre a financiamento para poder levar a cabo um projeto e se em vez de o fazer num ano e meio ou dois o faz em cinco… O custo do projeto é muito maior e o resultado final é que as casas vão ter de ser forçosamente mais caras… E a consequência disso é que muitas famílias portuguesas que querem viver no centro de Lisboa ou do Porto não o conseguem fazer porque os preços estão muito altos. Mas é o atraso nos licenciamentos que empurra as pessoas para as periferias.
É um fenómeno exclusivo da câmara de Lisboa ou a questão da burocracia é um ‘modus operandi’ que nota um pouco por todo o lado?
Notamos nós e todos os agentes do mercado. Isto acaba por ser um pouco ingrato para Lisboa porque realmente concentra uma percentagem enorme de investimento feito em Portugal e às vezes estas mudanças não se fazem do dia para a noite. Mas têm de existir formas mais rápidas de se poder cumprir as várias fases e garantir tudo o que está previsto no PDM e na legislação… É preciso ter a ambição de reduzir os atuais tempos de licenciamento para metade! Há câmaras que funcionam muito bem e outras que são muito lentas. E não é só uma questão de dimensão, é também de vontade política, de alinhamento dentro das câmaras, de funcionamento interno, do Governo … Veja-se a questão dos Vistos Gold e da mudança nas regras a meio do jogo… Há promotores que lançaram projetos para os clientes dos Vistos Gold e de repente, já com tudo aprovado e em construção são apanhados pela notícia de que os Vistos Gold no Litoral são para esquecer… O que é que um investidor pensa numa situação destas? No mínimo tem de existir um tempo razoável de transição, não se pode cortar assim a direto porque isto é algo que tem grande impacto na vida das pessoas. Portanto, licenciamentos muito longos e mudanças de regras a meio do jogo são dois cancros que temos infelizmente presentes no nosso mercado imobiliário.
Nos primeiros 10 meses deste ano, a Sotheby’s transacionou cerca de 500 imóveis, com o valor médio de um milhão de euros e cresceu mais de 40% em faturação. Este resultado é muito alicerçado em grandes casas ou na venda de apartamentos em empreendimentos de luxo?
Sim, temos vindo a crescer na área dos empreendimentos… A Sotheby’s sempre esteve muito conotada com palacetes, grandes moradias, apartamentos, penthouses, aquelas peças únicas, mas de há dois a três anos a esta parte começámos a entrar mais a fundo nos empreendimentos. Fizemos mais vendas de unidades em empreendimentos (T1, T2, T3 no valor de 500, 600, 800 mil euros…) que relativamente a palacetes que são vendidos a 3 ou 5 milhões.
Qual é o peso dos empreendimentos na vossa atividade?
A caminhar para 25% de peso, mas a médio prazo é expectável que seja 50/50.
Onde se concentra o luxo que a Sotheby’s vende?
Nós apostamos em quatro zonas do País: O distrito de Lisboa, ou mais especificamente toda a linha entre a zona da Expo até ao Guincho onde a procura é sempre muito elevada. E depois parte de Sintra que é importante também para o nosso segmento. Fora de Lisboa, temos o Algarve, que tem um peso muito importante e continuará a crescer pois está a existir muita procura para esta região; depois o Porto, que sendo a segunda cidade é um pólo muito importante para nós; e um quarto pólo que tem crescido imenso e este ano com resultados excecionais que é a Madeira, foi dos maiores crescimentos este ano. Tem muito a ver com as novas nacionalidades que estão a comprar na Madeira, nomeadamente os americanos. O fenómeno dos americanos é transversal a todo o país – há cinco anos nem sequer figuravam nos nossos tops e já estão em primeiro lugar com a Sotheby’s. Nos anos anteriores tínhamos os franceses, ingleses e brasileiros a repartirem o pódio mas agora foram ultrapassados pelos americanos e penso que o fosso será cada vez maior.
Como os caracteriza como clientes?
Os americanos têm três características: enorme poder de compra (acima de qualquer outra nacionalidade), são muito pragmáticos e exigentes na análise do imóvel mas tomam decisões muito rapidamente.
E compram um pouco por todo o país, certo? Qual é o perfil? Entre os franceses o peso dos seniores é elevado, os chineses estão interessados no visto Gold, os brasileiros na segurança que Portugal proporciona. E os americanos?
Buscam o novo luxo. A nossa vida tem mudado muito rapidamente desde a pandemia e nós nem nos apercebemos muitas vezes das profundidades dessas alterações, seja a nível laboral, seja nas relações familiares. Há tantos trabalhos híbridos, tantas funções baseadas em teletrabalho, há um impacto grande na vida das famílias. E há um novo luxo, sobretudo nestas profissões que podem ser feitas à distância, como programadores, analistas, pessoas que até têm responsabilidades, mas podem trabalhar à distância, e muitas delas com um poder de compra muito assinalável: estas pessoas valorizam muito o tempo e a segurança. E para eles é precioso poder estar a desempenhar a função em teletrabalho na Madeira, Lisboa ou no Algarve e ao mesmo tempo usufruir de um clima excecional o ano todo, oferta cultural interessante, etc. É toda uma nova realidade. Mesmo nos EUA, assiste-se neste momento a um ‘boom’ imobiliário gigantesco em Miami, por exemplo. E quem é que lá está? Muitos deles são pessoas que estavam em Nova Iorque, que fogem de uma cidade mais fria, em que tudo é a correr, muito mais cara, muito mais perigosa.
Quais são as principais exigências deles em relação às casas que aqui compram?
Há claramente uma – a sustentabilidade. Muitos dos americanos que vêm viver para Portugal são pessoas de classes sociais média e média alta, portanto com níveis de educação mais elevados e, como tal, com maior sensibilidade para a questão da sustentabilidade. É normal nos EUA, antes de se comprar a casa, contratar empresas especializadas para fazerem verificações do imóvel (canalização, níveis de humidade, etc) antes de as pessoas as ocuparem. Por cá ainda não há tradição mas já começa a haver procura por esse tipo de serviços e é um mercado que começa agora a desenvolver-se graças à entrada dos americanos em Portugal.
E cada vez mais se fazem projetos à medida dos clientes…
Sim, nós conseguimos ajudar os nossos promotores a construir um mix de produto mais ajustado à procura que existe em cada lugar, em cada projeto, em cada momento. Esta informação toda que conseguimos recolher é um upgrade enorme pois é possível fazer um trabalho com os promotores desde o dia zero, ou seja, desde o dia em que eles ainda nem compraram o terreno até à idealização do projeto de arquitetura, aos ‘amenities’ que são valorizados, o mix de tipologias, o que é que cada nacionalidade procura, etc. E essas tendências são assimiladas nos projetos. Um exemplo: mesmo em projetos do segmento mais alto, começam a pôr-se questões quanto ao custo de construção das garagens – será que é preciso gastar tanto dinheiro a perfurar o solo para tantos lugares ou se calhar é melhor fazer metade e, em vez disso, preparar um drive-in de Uber para recolher as pessoas à saída da sua casa? Porque muitos dos estrangeiros que vêm para cá morar nem querem carro…
E isso já está a acontecer cá?
Já. Estamos a estudar o que é que é ‘o normal’ para não haver desfasamento… O que cada promotor quer a cada momento é otimizar o produto. E depois há outras questões que têm a ver até com a sustentabilidade: quais são os materiais que as pessoas mais procuram e mais valorizam, por exemplo. Se existe uma maior procura pela madeira relativamente ao betão, ou então, dentro do betão, aquele que é o betão verde, que já se fala nisso também, um betão que é feito com outros cuidados de sustentabilidade com uma pegada muito menor do que o processo atual. São critérios que contam bastante para este tipo de clientes e vão pesar cada vez mais.