É em plena pandemia que a Porta Frente/Christie’s, consultora especializada no imobiliário para o segmento alto, completa 25 anos de existência. Mas, como dita a experiência, o luxo está mais imune às crises, por isso, Rafael Ascenso, o diretor-geral da empresa, acredita que o mercado sairá fortalecido quando o pior já tiver passado. Da pandemia restará uma nova tendência quanto ao que se quer numa casa e também a oportunidade para certas localizações menos procuradas atraírem novos clientes que hoje em dia passaram a privilegiar o espaço interior e exterior e a natureza.

O que era considerado luxo há 25 anos quando abriram o vosso escritório?
O luxo sempre foi a localização. Estoril, Cascais, o local que escolhemos para abrir a nossa loja, sempre foram localizações associadas ao glamour e muito procuradas por nacionais e estrangeiros, desde os tempos do pós-Segunda Guerra Mundial… E assim se manteve. Quem tinha capacidade financeira para decidir o local onde queria viver, vinha viver para Cascais. Alguns deles escolhiam viver no centro de Lisboa, na Estrela ou na Lapa, outros locais de eleição, na altura, mas a grande maioria dos que tinham capacidade financeira escolhiam Estoril e Cascais para residir, mesmo trabalhando em Lisboa. Os estrangeiros faziam exatamente o mesmo, atraídos também pelos campos de golfe, as praias, os restaurantes à beira-mar, as escolas internacionais (como o Saint Julian’s Shool, o Colégio Americano e outros)…
Que tipo de produto existia nessa altura?
A Quinta da Marinha estava a construir-se, tal como a Quinta Patino. Também as moradias junto ao Casino Estoril e toda a zona de Birre estavam em desenvolvimento. Nessa altura também tivemos muita sorte porque houve uma grande proliferação de condomínios fechados na região de Cascais e aí começou a surgir uma oferta de luxo que incluía não só moradias mas também apartamentos.
E qual era o perfil de quem comprava?
O mercado assentava muito nos portugueses. Mas sempre houve outras nacionalidades a querer investir na região como os brasileiros (já nessa altura), holandeses, ingleses e irlandeses. Não existia tanta diversidade como hoje mas existia já uma procura bastante razoável. Mas entre os estrangeiros quem mais se destacavam eram os espanhóis.
Que curiosamente estão a regressar ao mercado imobiliário português… Qual é a razão?
Os espanhóis estiveram afastados do nosso mercado devido à crise económica mas, entretanto, voltaram porque estão um pouco saturados dos mercados locais como Palma de Maiorca, a costa sul de Espanha… E começaram a olhar para Portugal como um destino interessante para quem quer ter uma vida menos plastificada, mais natural.
Em 2012 fizeram parceria com a Christie’s numa altura em que o mercado estrangeiro começa a aparecer (os vistos Gold, por exemplo, foram lançados nesse ano)…
Tivemos algumas crises ao longo destes 25 anos e sempre combatemos essas crises do mercado nacional indo para fora. Fizemos isso com os espanhóis e mais tarde com os angolanos. Aliás, tivemos durante quatro anos um escritório em Luanda. E voltar a fazer essa aposta quando nos afiliámos à Christie’s que permite uma penetração mais rápida em vários mercados de luxo a nível internacional. Foi através do escritório da Christie’s que fizemos uma série de eventos. Só no Brasil, por exemplo, desde 2012 até agora, fizemos 49 eventos! Em 2012 Portugal era um país que se estava a afundar e o Brasil, pelo contrário, estava no auge. Nós desafiámos os brasileiros a investir cá e durante muito tempo batemos com o nariz na porta, como se costuma dizer, até que finalmente tivemos sucesso. Para ter uma ideia, só no ano de 2017 vendemos 85 propriedades a brasileiros e no ano seguinte o mesmo número praticamente.
E um pouco depois chegou a pandemia… Qual é neste momento o rácio entre clientes estrangeiros e nacionais?
Passámos de um peso de 65% de internacionais e 35% de nacionais para 50%/50%.
Que tipo de cliente vos está a comprar casa em pleno confinamento?
Pessoas que nem estavam no mercado mas que ao se verem confinados, apertados nas suas casas querem comprar mais espaço interior e exterior. Esta foi a tendência que vivemos durante o ano de 2020.
Essa procura fez subir os preços para este produto mais específico (casas com varandas, jardins, etc)?
Os meus colegas da Christie’s de algumas das principais cidades do mundo como Nova Iorque, Toronto ou Paris dão conta dessa saída do centro da cidade para as localizações mais luxuosas das periferias e nesses locais muito específicos os preços dispararam. Também aqui em certos projetos aconteceram subidas de preços mas são fenómenos meramente pontuais. O mercado entrou num período de estabilização de preços. O único local onde a localização é semelhante e temos um preço francamente abaixo é a região de Oeiras, onde temos o nosso escritório mais recente.
Estamos a falar de que ordem de valores?
Se tivermos uma super localização os preços podem rondar entre os dez mil e os €12.000/m2 em Lisboa e Cascais. Mas também vendemos boas localizações a 6000 € o metro quadrado e continua a ser um produto prime. Os preços em Oeiras ficam a 60% dos valores praticados em Lisboa ou Cascais. Mas os vários empreendimentos que surgiram, foram levados para a frente com sucesso tanto em Lisboa, Cascais ou Oeiras. Programas como o Golden Visa e o Residente Não Habitual contribuíram bastante para esta dinâmica imparável. Construiu-se porque havia procura e havia procura porque se construía. É a história do ovo e da galinha. E essa dinâmica foi assente em projetos de grande qualidade que muito beneficiaram as cidades, o comércio e toda a economia. Estes investidores e residentes estrangeiros com bastante poder de compra vieram elevar, e muito, o nível de vida na nossa região e do nosso país. E sim, é um facto que a subida dos preços dos imóveis deixou de fora alguns segmentos da nossa sociedade portuguesa que deixou de ter acesso às localizações que antigamente conseguiam ter mas, nessa altura, acediam a edifícios e apartamentos de baixíssima qualidade… É provável que hoje, até alguma classe média alta já não tem possibilidade de viver em certos sítios mais exclusivos de Lisboa mas isso é um processo de crescimento normal das cidades. Hoje só os muito abastados podem viver no centro de Londres, no centro de Paris, no centro de Nova York, no centro de Madrid… Mas, como é óbvio, também é preciso construir a pensar no segmento médio e no segmento médio baixo e nos últimos anos também tem estado a acontecer…
O que prevê que vá acontecer no pós-pandemia?
Eu acho que o mercado imobiliário vai sair muito reforçado desta pandemia enquanto destino de investimento não só para os nacionais mas também para estrangeiros…
Com os preços mais estabilizados ou sofrerão oscilações?
Se compararmos esta crise com a anterior, verificamos que hoje os agentes que operam no mercado imobiliário estão muito mais fortes. O paradigma mudou completamente… Os promotores Imobiliários já não estão totalmente dependentes do financiamento bancário e por isso quando as vendas desaceleram, já não estão pressionados a baixar os preços. Por outro lado também os fundamentos que atraem os estrangeiros ou os nacionais para a aquisição de imóveis se vão manter depois desta pandemia. Aliás, todos eles se mantiveram durante esta pandemia. Continuamos a ter um país seguro, com uma oferta e uma qualidade de vida únicas na Europa, continuamos a ter qualidade de construção… E a verdade é que toda a construção seguiu o seu curso. Os empreendimentos continuaram a ser entregues, as escrituras continuaram a ser feitas e o mercado continua a funcionar… Mesmo com o confinamento temos feito visitas em tempo real através de WhatsApp e fizemos uma série de vendas a pessoas que nem sequer viram os imóveis. Ainda esta semana vendemos uma casa na Quinta da Marinha de 4 milhões de euros e tudo através de ‘zoom’ e visitas virtuais. E não tenho dúvidas que mesmo quando acabar a pandemia, as pessoas vão manter a sua necessidade de muito espaço, de ar livre e de qualidade dentro das suas casas. Isso vai continuar a ser uma preocupação de quem compra.
Ou seja, a recessão que se começa a instalar não afetará este segmento?
Sim, é um facto que a pandemia vai levar muitos a perder os seus negócios, a perder o seu emprego e vão ser obrigados a desfazerem-se de algum património imobiliário. E isso vai reforçar a oferta de imóveis usados no mercado. Mas não me parece que isso aconteça em número suficiente para que possa ocorrer uma descida dos preços. Talvez em alguns mercados como o médio ou médio-baixo ou até em determinadas zonas do país ou mesmo em certos bairros de Lisboa possa acontecer uma ligeira baixa de preços pelo aumento da oferta de imóveis neste tipo mas não me parece que venha a ser uma tendência.
Qual foi o imóvel mais caro que venderam em 2020?
Estou obrigado a um acordo de confidencialidade com o cliente mas posso dizer que foi acima dos 15 milhões, o imóvel situa-se em Cascais e foi comprado por uma sociedade de capitais estrangeiros.
Há zonas que, devido à especificidade da procura suscitada pelo confinamento, entraram no ‘mapa’ da oferta de casas?
Sim, houve claramente uma dinâmica muito grande em certas zonas …. Por exemplo na Malveira da Serra, Penedo, Cabo da Roca, Azóia… Vendemos uma casa há muito pouco tempo nas Azenhas do Mar onde nunca tínhamos casa alguma… Está a acontecer uma dinâmica que não existia… Eram casas que eram vendidas de tempos a tempos mas agora há mais procura e mais ‘leeds’ para este tipo de localizações. E estamos a falar de casas de um milhão ou dois milhões. Mas sim, houve um aumento significativo no número de ‘leeds’ para essas regiões menos procuradas antes da pandemia.