Quem acompanha a dinâmica do investimento imobiliário em Portugal já se habituou a ouvir no final de cada ano que aquele foi o melhor de sempre desde que há registos de dados dos negócios de milhões concretizados no imobiliário comercial (edifícios de escritórios, hotelaria, retalho e logística). Foi assim em 2017, 2018 e 2019, com a capacidade de atração de Portugal sempre a subir junto dos investidores estrangeiros. E tudo de perfilava que em 2020 se voltasse a bater o valor anterior, não fosse a pandemia.
Contas feitas pelo Prime Watch, da consultora b.Prime a que a Visão acedeu em primeira mão, mostram que só no primeiro trimestre deste ano, foram transacionados cerca de 1,39 mil milhões de euros em edifícios comerciais, 96% desse valor assegurado por investidores estrangeiros. Ou seja, em apenas três meses conseguiu-se quase metade do investimento imobiliário movimentado durante todo o ano passado que fechou com cerca de 3 mil milhões de euros.
“No início deste ano, quando vimos o entusiasmo dos investidores com Portugal, todos nós que trabalhamos no setor, acreditávamos que se voltaria a bater um novo máximo a rondar os 4 mil milhões para o final deste ano. Mas aconteceu a pandemia e nesta situação atual, tão caricata e estranha, já ninguém consegue prever o que vai acontecer nos próximos cinco, seis meses”, lamenta Jorge Bota, diretor-geral da b.Prime.
Certo é que, diz, todos os negócios que já estavam a decorrer quando começou a pandemia foram fechados e a maioria dos que estavam a ser analisados foram suspensos mas não cancelados.
“Por um lado, os fundos imobiliários estão cheios de dinheiro, centenas de milhões de euros a contabilizar juros negativos no banco e estes fundos têm compromissos de rentabilidade com os seus subscritores e portanto existe uma grande pressão para investir. Mas por outro lado, ninguém se sente confiante para o fazer até perceber quais as verdadeiras consequências desta pandemia. Mas isso acontece em Portugal e em qualquer outro país”, explica o responsável.
Mas nem todos os setores foram afetados da mesma forma. “A logística foi dos poucos segmentos que passou incólume ao surto de Covid-19. Aliás, até se tornou atrativo para os investidores. Com a pandemia, as empresas perceberam que não estavam preparadas do ponto de vista logístico para este aumento do comércio eletrónico, para conseguir responder com rapidez às encomendas… Até os lojistas das grandes marcas, que sempre fizeram apostas muito limitadas no comércio eletrónico… E neste momento, estamos a confirmar, junto de todos os operadores, que se estão a preparar para uma tendência que veio para ficar”, refere Jorge Bota, acrescentando que já se registam movimentações não só nas zonas centrais mas nos armazéns regionais e locais.
E que impacto vai ter essa movimentação no retalho? “O retalho vai, sem dúvida, passar por um período difícil entre o que era e o que vai ser. Não tanto no comércio de rua, porque o turismo irá regressar, as pessoas gostam de viajar, isso é inevitável, nem que seja daqui a seis meses ou um ano… Mas no retalho dos centros comerciais que deverá passar algum tempo até encontrar o formato mais adequado numa altura em que há cada vez mais pessoas jovens a aderir ao comércio eletrónico”.
Na hotelaria, tão fortemente afetada nos tempos atuais, o especialista acredita que para a recuperação é apenas uma questão de tempo. “Acho que é uma crise meramente conjuntural. É óbvio que o turismo de negócios sofrerá uma queda porque todas as empresas do mundo perceberam que os seus executivos já não vão precisar de fazer tantas viagens para se reunirem, mas o turismo de lazer vai recuperar”.
Um olhar sobre o mercado imobiliário e que está também refletido no relatório Prime Watch e onde se faz também o balanço da atividade do primeiro trimestre deste ano. Seguem algumas das conclusões.
Rendas nos escritórios, as mais altas desde 2005
Antes da pandemia, a pressão da falta de oferta de escritórios, em oposição a uma procura que se mantinha bastante vigorosa, “refletiu-se num aumento generalizado das rendas prime em todas as zonas do mercado. De referir que na zona 1 ( (CBD – eixo Avenida da Liberdade, Saldanha), a renda prime atingiu o valor de 25€/m2, o mais alto registado desde 2005”, refere-se no relatório.
A absorção de escritórios em 2019 atingiu o valor de cerca de 200.000 m2 (mais precisamente 193.892 m2) mantendo-se praticamente inalterada comparativamente a 2018 (206.428 m2). O facto a assinalar prende-se com o contínuo crescimento das rendas prime (as mais caras) que em 2019 atingiram o valor de 25€/m2, um aumento de 32% em relação a 2014 e de 14% em relação aos verificados, em 2018.
“O aumento generalizado das rendas deve-se a uma procura bastante dinâmica, mas também se deve ao facto de começarem a chegar ao mercado os primeiros edifícios de escritórios novos, ou alvo de remodelações profundas, com preços ajustados à realidade da conjuntura do mercado imobiliário em Lisboa”, explica-se no relatório.
Durante o 1º trimestre de 2020 esta tendência confirmou-se, no entanto com a entrada do Estado de Emergência, no mês de março e os indicadores de arrendamentos e da renda prime “deverão ser analisados com as devidas cautelas”, acrescenta-se no estudo, alertando que no 3º trimestre irão “registar-se valores de absorção de escritórios anormalmente baixos, fruto das medidas de confinamento adotados em Portugal e na grande maioria dos países do hemisfério Norte”.
Ainda de acordo com os dados disponíveis prevê-se que cheguem ao mercado cerca de 206.000 m2 de nova área de escritórios até 2022.
Para este ano de 2020, a área nova prevista ascende a 44.581m2, sendo que mais de metade já está arrendada.
Logística a crescer
O ano de 2019, tal como o de 2018, confirmou a contínua escalada das rendas, fruto da recuperação económica do país, mas também pelo facto da oferta de qualidade ser reduzida nas zonas onde se verificam os maiores índices de procura, refere o Prime Watch.
Registou-se um aumento significativo da procura no segmento dos prestadores de serviços logísticos, alavancados pelo crescimento do segmento de e-commerce, que por si só é responsável por cerca de 30% do volume de negócios efetuados, em logística.
Sete milhões fazem compras no comércio online
A pandemia veio dar um novo impulso ao comércio eletrónico que em Portugal, e segundo o site Statista mencionado no relatório da b.Prime, valia 2.600 milhões de euros em 2019, mais 11,3%, comparativamente ao ano anterior.
“O número de utilizadores também aumentou em cerca de 4%, o que se traduz aproximadamente em sete milhões de portugueses que fazem as suas compras online. Apesar deste incremento, os consumidores portugueses continuam a ser bastantes conservadores e ficam aquém de outros países europeus. Este paradigma foi reforçado pela crise criada por esta pandemia, que levou a um bloqueio da economia, o que obrigou até os mais céticos a recorrerem a compras on-line”, aponta o estudo.
No período pré-Covid, o comércio de rua em Lisboa estava fervilhante. As zonas da Avenida da Liberdade e Chiado continuavam a ser as mais procuradas e escolhidas por marcas diversas, como foi o caso da Levis, JNcQUOI Asia, Boggi, Small’s Kids Fashion Gallery, Ecco, Overcube, Lucia Piloto ou Happy Socks. Nas localizações, anteriormente referidas, os valores de renda eram as mais altas do país, 130€ por m2.
Nos centros comerciais, as rendas situavam-se na ordem dos 100€/m2/mês.
Valores que podem agora estar em causa. A pandemia está a gerar “um amplo debate no setor” quanto à manutenção e renegociações das rendas, refere-se no relatório, “sendo certo que até final do ano de 2020 deverá haver um ajuste dos valores”. Quanto ao volume de negócios no 1º trimestre/2020 há a registar três transações significativas; a venda do Forum Viseu e do Forum Castelo Branco e a venda de 50% do Fundo Sonae Sierra, cujas negociações já tinham sido iniciadas em 2019.
Investimento imobiliário: primeiro trimestre foi o melhor de sempre
O primeiro trimestre de 2020 “bateu todos os recordes de investimento totalizando 1,45 mil milhões de Euros e ficou marcado pela venda de 50% da posição da Sonae nalguns dos seus centros comerciais, impulsionando o setor do retalho para uma quota de mercado de 60%”, contabiliza a b.Prime. O setor da hotelaria e dos escritórios somaram respetivamente 300 milhões de Euros (21%) e 220 milhões de Euros (15%) em investimento imobiliário.
No primeiro trimestre de 2020, os investidores internacionais “voltaram a ganhar músculo e a serem responsáveis por cerca de 1,39 mil milhões de Euros, o que equivale a 96% da totalidade do investimento imobiliário”. Lisboa continua a ser a geografia que concentra maior interesse e volume de negócios, porém o mercado do Porto tem vindo a consolidar-se, tendo registado transações relevantes, como a Torre do Burgo ou o Urbo Business Centre.