É a maior empresa imobiliária cotada na bolsa de valores espanhola e desde janeiro deste ano passou também a cotar-se na Bolsa de Lisboa. Com uma carteira de ativos já significativa no nosso país, a sociedade gestora de ativos imobiliários Merlin Properties é proprietária do centro comercial Almada Forum, nove edifícios de escritórios (entre os quais o Monumental, no Saldanha) e tem em curso o maior investimento logístico do país (147 milhões na Plataforma Logística Lisboa Norte, em Castanheira do Ribatejo).
Estando envolvida nos três setores, a Merlin sabe bem que o impacto económico da pandemia será distinto e foi precisamente essa experiência que o seu administrador partilhou na conferência online “Desafios e Oportunidades COVID19 | Sector Imobiliário” organizada pela Worx e que contou com vários outros participantes, entre os quais o analista Nuno Rogeiro ou o vereador Ricardo Veludo.
“Nos setores em que operamos, aquele que terá claramente um maior desafio pela frente é, sem dúvida, o dos centros comerciais. Isto porque não sabemos até que ponto esta pandemia vai afetar hábitos de consumo e em que medida os vai afetar”, aponta João Cristina, diretor-geral da Merlin, lembrando algumas variáveis que estão em cima da mesa e que passam pela existência de uma vacina e o regresso da confiança para quem quer voltar a frequentar sem stress os espaços comerciais.
Para as marcas habitualmente presentes nos shoppings está, contudo, a ampliar-se uma outra janela de oportunidades – a do comércio eletrónico, que sairá da pandemia ainda mais reforçado. “O crescimento do online é evidente e a partir de agora, mais do que nunca, passará a ser uma alternativa. E isso vai colocar mais desafios aos centros comerciais e à sua capacidade de se reinventar”, reforça o CEO da Merlin.
Por outro lado, “passa a existir uma necessidade por parte das empresas de terem redundância na sua cadeia de produção bem como na sua cadeia logística”, diz ainda este responsável, acrescentando que esta nova dinâmica irá obrigar “a uma maior necessidade de espaço quer industrial, quer logístico, representando assim uma oportunidade a longo prazo”.
Nos escritórios, poucas alterações haverá, perspetiva ainda o responsável da Merlin: “Esta crise vai manter competitivos os custos dos inputs. As empresas internacionais continuarão a vir para Portugal, como tem acontecido, pela qualidade dos quadros e o seu custo em comparação com outros países e pelo baixo custo do ‘real estate’. Isso não vai mudar, provavelmente até é uma tendência que irá acelerar”, conclui este responsável.
Isso mesmo atesta Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII). “O retorno que temos recebido por parte dos investidores e dos nossos associados internacionais (que representam 45% da nossa massa associativa) é que continua a existir intenção, a médio e longo prazo, de investir em Portugal até porque voltamos, aos olhos do mundo, a ser um bom aluno e a passar com nota positiva este exame difícil. Acredito que iremos beneficiar muito com isto no futuro”, diz, admitindo, contudo, que para já o sentimento partilhado é de “tranquilidade cautelosa”.
Para o responsável, esta crise não terá a mesma repercussão que a anterior, entre 2008-2013. “As empresas estão hoje mais bem preparadas que nessa altura e acredito que boa parte irá conseguir aguentar as suas tesourarias nestes meses suspensivos. A pior imagem que poderíamos passar para o exterior seria a colocação de ativos no mercado a desconto. Claro que a situação pode prolongar-se em demasia, mas é algo que não esperamos”, referiu ainda o vice da APPII.
Como será o Dia 1 da nova economia pós-Covid?
No capítulo das oportunidades trazidas pelo efeito pandémico, Hugo Ferreira dos Santos deixou, na conferência da Worx, uma novidade – a criação de uma plataforma que irá promover a interligação entre o imobiliário e a saúde. “Não basta apostar na sustentabilidade ambiental, é preciso olhar agora para a sustentabilidade humana. Vamos estimular a promoção de edifícios saudáveis”, rematou o responsável.
Ricardo Veludo, vereador do Planeamento e Urbanismo da câmara municipal de Lisboa (CML), aproveitou também para anunciar uma novidade que acabou por ser acelerada com a pandemia e a necessidade de distanciamento social: o lançamento no próximo dia 22 de uma plataforma digital que irá concentrar boa parte dos serviços administrativos associados ao urbanismo, cerca de 400 procedimentos. “Vai ser lançada no dia 22 de abril e vai estar a funcionar de forma experimental nos dois meses seguintes. Acreditamos que irá permitir otimizar os tempos processuais e identificar onde estão os processos e atividades administrativas que não criam valor”, disse o vereador, que referiu que a autarquia tem sido sensível às queixas dos operadores do mercado em relação ao tempo excessivo dos licenciamentos tendo, inclusive, reforçado recentemente o departamento com mais 40 arquitetos.
Mas até ao lançamento da plataforma, ninguém tem estado parado pois a principal preocupação foi manter o licenciamento urbanístico a funcionar , afiançou o vereador. “Em três dias mobilizámos para teletrabalho 400 pessoas da gestão urbanística e 200 de atendimento ao munícipe. Não tínhamos uma infraestrutura tecnológica que permitisse fazer essa desmaterialização por isso foi de facto um trabalho hercúleo de se concretizar em tão pouco tempo”, sublinhou o vereador.
Certo é que depois da pandemia nada será igual. O analista Nuno Rogeiro, na sua intervenção, lembrou a questão fulcral do momento: “Como reentrar numa economia normalizada com todas as garantias de saúde?”.
“Essa será a grande equação. Ainda estamos no ‘dia zero’ de saber como é que isto funciona. As empresas que voltam a laborar vão ter obviamente equipamento de proteção, o que elas adquirem ou que o Estado financia. Em Espanha, por exemplo, várias empresas regressaram a mercado e queixam-se que não existe equipamento de proteção”, realça Nuno Rogeiro.
Por isso, deixa algumas considerações: “É preciso definir exatamente as condições em que as empresas devem voltar a funcionar, com que tipo de garantias, de equipamentos, de normas e que tipo de fiscalização. Isto tem de ser dito antes de entrarmos no dia 1 da nova economia”.