O arrendamento habitacional, ao longo de muitos anos, tem sido o parente pobre das políticas de habitação, entregue aos interesses e livre arbítrio da iniciativa privada, assente numa legislação que propositadamente tornou o mercado sem regulação e fiscalização, insuficiente, caro, inacessível, precário, instável, descredibilizado e desacreditado, com os direitos do lado da propriedade e os deveres do lado dos arrendatários.
Assumimos que é imprescindível um mercado de arrendamento regulado e fiscalizado, para que seja dinâmico e estável, com oferta em quantidade e qualidade e rendas compatíveis com os rendimentos das famílias, seja apelativo, credível, responsável e confiável, completado com programas e soluções diversas de modo a responder às diferentes necessidades das famílias e das atividades económicas, sociais e culturais.
Importará clarificar que o arrendamento é uma atividade económica, é uma prestação de serviços de uns a outros mediante a disponibilidade de um locado com a contrapartida de uma renda pela sua utilização. Como tal, é tempo de regular e fiscalizar este mercado. É tempo de implementar uma política fiscal apropriada que tenha em conta a sua função económica e social. E é tempo de acabar com uma legislação avulsa, retalhada e confusa.
Há dias o Governo aprovou mais um diploma que cria o “Direito Real de Habitação Duradoura”, isto é, o direito vitalício a uma habitação arrendada por trinta anos.
Como novidade formal, com a lei Cristas criticou-se e desarticulou-se o que se chamou de vinculismo, ou seja, os contratos de longo prazo, estáveis e duradouros, para passarmos a ter agora o vitalício, ou seja, contratos de longo prazo, estáveis e duradouros. Visto apenas desta forma parece que os inquilinos vão ter direito à estabilidade. Não é assim. Não passa de uma solução que no nosso ponto de vista tem uma importância relativa e diminuta para o arrendamento, tendo em conta as condições leoninas para os senhorios.
De facto, quando da celebração do contrato, o inquilino terá de pagar uma caução de 10% a 20% do valor do imóvel, não sendo claro se incide sobre o Valor Patrimonial Tributário (valor para efeito de cálculo do IMI) ou sobre o valor comercial (valor arbitrário e especulativo) o que naturalmente não é indiferente.
Com este modelo, estamos perante uma forma de financiamento brutal ao senhorio, fora do sistema financeiro e sem qualquer controle, em que o inquilino passa a ser o financiador mas sem receber qualquer remuneração pela verba adiantada.
Se o inquilino denunciar o contrato num prazo de dez anos, terá direito a receber a caução mas sem qualquer atualização, portanto desvalorizada, sendo que nos vinte anos seguintes perderá toda a caução, sendo embolsada pelo senhorio.
Por outro lado, o inquilino vai ter de pagar a renda que o proprietário entender, sendo anualmente atualizada. Vai ainda pagar o IMI e as taxas autárquicas que competiam ao proprietário. Irá também pagar a quota do condomínio e as obras de conservação, melhorias ou requalificação da habitação. E decerto os seguros. Por sua vez o senhorio está isento de pagar IRS sobre a caução e as rendas. Um maná. Restará saber quais são as deduções e benefícios para o inquilino que parecem não constar deste diploma, ou não foram divulgadas.
Nestas circunstâncias parece que o melhor para o inquilino seria adquirir uma habitação fazendo um empréstimo, possivelmente com valores menores ou idênticos ao que pagaria pelo contrato dito vitalício, mas no final fica com a propriedade que pagou ao longo desses mesmos 30 anos.
Admitimos que este poderá ser um programa destinado a um nicho de mercado, claramente endinheirado. Não o é para o cidadão comum que padece da pouca e cara oferta, que necessita e aguarda políticas públicas de habitação e de um Orçamento do Estado com verbas disponíveis, necessárias e suficientes, para o desenvolvimento dessas políticas.
Terminar com a alienação e alocar a propriedade pública existente vocacionada para habitação a bolsas destinadas ao arrendamento é, a nosso ver, uma medida urgente e que tarda em ser concretizada.