“Sei que ele pediu cidadania portuguesa com base nas origens de judeu sefardita. Aconselharia as autoridades portuguesas a tentar fazer um teste de ADN a Roman Abramovich”

Foto: Tolga Akmen/AFP via Getty Images

“Sei que ele pediu cidadania portuguesa com base nas origens de judeu sefardita. Aconselharia as autoridades portuguesas a tentar fazer um teste de ADN a Roman Abramovich”

É um dos inimigos de estimação de Vladimir Putin e uma das personalidades que melhor conhecem os esquemas para fazer negócios na Rússia. No final do século passado, William (Bill) Felix Browder – através do seu Hermitage Fund – era o maior investidor privado no país e acionista de empresas estratégicas como a Gazprom. Em 2005, o empresário que é neto de Earl Browder, antigo secretário-geral do Partido Comunista dos EUA, caiu em desgraça e recebeu ordem de expulsão, por representar uma “ameaça à segurança nacional” russa. Quatro anos depois, após muitas peripécias que envolveram perseguições, chantagens e confisco de bens, um dos seus colaboradores mais próximos, o jovem advogado Sergei Magnitsky, morre em Moscovo, na sequência de 11 meses de cativeiro e de torturas. Indignado, o gestor milionário inicia uma quixotesca campanha contra o regime de Putin e converte-se num ativista político e anticorrupção. O Kremlin responde de forma implacável e usa todos os meios ao seu dispor para o responsabilizar por uma infinidade de crimes. Sempre em vão. Depois de escrever Alerta Vermelho, um bestseller publicado em 2015, Bill Browder reincide agora com Dinheiro Sujo (edição Vogais), um livro em que volta a prestar homenagem a Sergei Magnitsky e a denunciar a forma como a oligarquia russa “investe” milhões no Ocidente. Um thriller repleto de detalhes sórdidos e de personagens que parecem de ficção, como um brilhante advogado sem escrúpulos, norte-americano, e uma espampanante modelo loura, de quase dois metros, que tenta seduzir o autor.

Um dos capítulos mais emocionantes do seu novo livro tem por título Mala Diplomática, descreve o envenenamento de Vladimir Kara-Murza, um ilustre opositor russo, e começa da seguinte forma: “Nessa tarde [de 2015], em Londres, eu embarcava num avião para Lisboa, para férias em família.” Como não volta a fazer referência à capital portuguesa, como foi essa estada?
Infelizmente, passei o tempo todo no quarto do hotel, ao computador e ao telefone, a tentar salvar a vida de Vladimir Kara-Murza [que sobreviveu]. Não tive a mínima oportunidade para aproveitar essa estada e regressei pouco depois a Londres.

Milhões de pessoas já leram os seus dois livros. Tendo em conta os episódios que relata, é natural que a maioria se interrogue sobre algo muito simples: como é que o Bill Browder ainda está vivo?
O governo da Federação Russa tem muitas formas de matar pessoas. Pode ser com novitchok, com polónio, com explosivos ou através de acidentes de viação. No meu caso, a ideia era levar-me novamente para Moscovo, torturar-me e obter uma confissão forçada, falsa, para que lhes dissesse que a história do Sergei Magnitsky era toda inventada. E, depois, fazer com que eu tivesse uma morte lenta numa qualquer prisão – talvez como fizeram com o Sergei.

Dinheiro Sujo começa logo com o que lhe aconteceu em Madrid [a Guardia Civil prendeu-o, na primavera de 2018, por haver um alerta vermelho em seu nome – ou seja, um mandado de captura internacional, a pedido da Rússia –, quando ia encontrar-se com o principal procurador anticorrupção espanhol]…
Sim, também estive detido em Genebra, na Suíça. O governo britânico foi pressionado, em inúmeras ocasiões, para me extraditar. Têm tentado encontrar todas as formas legais de me levar para a Rússia…

Como interpreta o facto de a Rússia continuar a fazer parte da Interpol?
É uma organização com muitas falhas, tal como as Nações Unidas. Integra quase todos os países do mundo. A Síria, por exemplo, acaba de ser readmitida na Interpol. Parece que ninguém quer fazer a distinção entre países onde vigora o Estado de direito e os outros. Acolher Estados criminosos só desacredita uma organização que tem por objetivo fazer cumprir a lei. Moscovo e a Interpol podem colocar os opositores ucranianos na lista negra – tal como fizeram comigo, sublinho, oito vezes – sem haver consequências.

Em 2018, na cimeira de Helsínquia, Donald Trump e Vladimir Putin terão discutido a sua deportação, com ambos a negociarem a sua eventual troca por espiões russos. Se Trump voltar à Casa Branca, em 2024, a sua vida, nos EUA, estará novamente em risco?
Quando concordou entregar-me, Trump estava a ser investigado por suspeita de conluio com a Rússia, num processo liderado pelo FBI [e após Bill Browder ter deposto no Congresso americano, denunciando ligações entre o Kremlin e colaboradores de Trump]. Claro que não poderei viajar para os EUA se Trump for reeleito Presidente.

Que mais pode ainda fazer para vingar o assassínio de Sergei Magnitsky? Graças a si, mais de 34 países têm agora leis Magnitsky [que permitem sancionar e congelar os ativos de quem viola os Direitos Humanos].
É necessário que haja muito mais países com legislação assim – Japão, Nova Zelândia, Suíça… Estou também empenhado em que cada um dos Estados-membros da União Europeia aprofunde esse tipo de legislação. A UE tem uma política externa que não funciona de forma apropriada, por haver países como a Hungria que, por exemplo, pode vetar as sanções comunitárias à Rússia. Há três semanas, estive na República Checa porque o governo de Praga vai adotar a sua própria lei Magnitsky. Também testemunhei recentemente no Parlamento irlandês; o governo de Dublin prepara-se para fazer o mesmo. É preciso haver mais países a adotar medidas contra todos os que violam os Direitos Humanos. A melhor homenagem que podemos fazer ao Sergei é criar as condições para que os assassinos não fiquem impunes.

Acha que os generais de Myanmar e os ditadores em geral estão preocupados com as leis Magnitsky?
Essa é a minha principal missão, fazer com que fiquem mesmo preocupados. E que pensem duas vezes antes de darem ordem para matar quem quer que seja. Se isso acontecer, se este for um processo global, Sergei Magnitsky e o seu legado vão ainda salvar muitas vidas.

Numa entrevista recente, afirmou que Vladimir Putin poderia ficar sem dinheiro. Mantém essa opinião?
Sabemos que continua a ter muita liquidez. Porquê? Tem um rendimento diário de mil milhões de dólares, o valor que a Rússia continua a receber pela venda de gás, de petróleo e de outros produtos energéticos. Enquanto este fluxo se mantiver, poderá sempre dispensar as verbas que lhe foram congeladas. A única forma de mudar as coisas é impedir o seu acesso a este rendimento. É neste aspeto que alguns países têm um papel fundamental, nomeadamente a Alemanha, a Itália e os outros países que importam a energia russa.

Putin deve ter um medo danado do seu próprio povo. É por isso que prende e mata todos os opositores

Parece-lhe inevitável que ele, mais cedo ou mais tarde, acabe por interromper o envio de energia para a Europa?
Creio que o pode fazer, mas será também o seu fim. As exportações para outros destinos, para fora da Europa, não lhe garantem os rendimentos de que precisa.

Neste momento, o Kremlin parece estar em vantagem; apesar das sanções, a economia russa continua a funcionar…
Putin usa os preços da energia como arma, os preços do trigo como arma, tudo o que possa instrumentalizar como arma. No entanto, acredito que, em breve, os preços do petróleo vão cair a pique. A inflação na Europa pode parecer altíssima e ter graves consequências políticas, mas creio que as coisas tendem a melhorar.

Continua a atualizar a sua lista de oligarcas russos?
Não é preciso grandes atualizações. São 118 e, destes, só 40 foram alvo de sanções. É óbvio que mais oligarcas têm de ser sancionados.

Isso tem algo que ver, por exemplo, com as acusações que fez à Suíça, em maio?
Há imenso dinheiro russo na Suíça, e o governo helvético tem sido incapaz de lidar com a situação e de aplicar as sanções que devia. Tem feito de conta que está em sintonia com os EUA e a UE, mas não é bem assim.

Um dos mais conhecidos oligarcas russos, Roman Abramovich, tem nacionalidade portuguesa…
Sei que ele pediu cidadania portuguesa com base nas suas origens de judeu sefardita. Eu aconselharia as autoridades portuguesas a tentar fazer um teste de ADN a Roman Abramovich.

Segundo as suas estimativas, a Rússia já lavou mais de um bilião de dólares no estrangeiro, desde a chegada ao poder de Vladimir Putin, em 1999. A ser verdade, para que quer ele tanto dinheiro?
É uma questão muito importante para se entender a Rússia. A pessoa mais poderosa do país tem igualmente de ser a mais rica. Faz parte do processo de conquistar o poder absoluto. Em muitos outros sítios, é possível ter muito dinheiro e não ter poder; na Rússia, é impossível. As pessoas à volta de Vladimir Putin jamais o respeitariam se ele não fosse a personalidade mais rica, mais poderosa, mais brutal do país.

Não terá ele medo de ser afastado do poder? Alguns ditadores acabam mal…
Claro, não me surpreenderia que ele continuasse a ver todas as semanas os vídeos da morte de Kadhafi, para se recordar de como as coisas podem ser voláteis. Putin deve ter um medo danado do seu próprio povo. É por isso que prende e mata todos os opositores; é por isso que tenta eliminar qualquer forma de dissidência e de liberdade de expressão. À medida que fica mais assustado, torna-se cada vez mais autoritário, dada a possibilidade de ser afastado e responsabilizado por todos os seus crimes.

O facto de se sentir ameaçado não o torna mais perigoso? Ainda por cima, dispõe de um arsenal nuclear.
É um psicopata que tem como prioridade a sua própria sobrevivência. Não acredito que vá iniciar uma guerra atómica com os EUA, com a NATO. Ele conhece muito bem a lógica da retaliação.

Graças a este seu livro, percebemos que, na Europa e nos EUA, várias sociedades de advogados e empresas de lobbying e de relações públicas têm sido usadas pela Rússia. Essa situação pode vir a mudar?
Sim, chamo-lhes “os facilitadores”. É toda uma classe – de banqueiros a lobistas – que trabalha a soldo dos russos, que os ajuda a esconder dinheiro e a dar todo o tipo de golpes.

No livro, dá exemplos concretos de pessoas que colaboraram diretamente com os serviços secretos russos.
No Ocidente, expulsamos diplomatas que trabalham para os serviços de informações, mas depois toleramos que haja cidadãos norte-americanos e europeus a trabalhar para as agências de informação russas. Isto é inconcebível!

Já afirmou que Alexei Navalny é o “Mandela russo”. Não lhe parece uma comparação um pouco exagerada?
Na Rússia, Navalny é das poucas pessoas que tiveram a coragem de enfrentar Putin. Tornou-se uma figura tão importante e incómoda para o poder que o quiseram silenciar, com novitchok. Mas nem isso impediu Navalny de regressar depois a Moscovo, arriscando a sua liberdade e a sua vida. Hoje, é um prisioneiro político, sacrificou tudo pelo seu país. O idealismo e a coragem elevaram-no a um patamar sem precedentes. Tudo o qualifica para ser Presidente da Rússia.

Permita que o cite outra vez: “Lutar pela Justiça é incomparavelmente mais satisfatório do que lutar por dinheiro.” Quer comentar?
Quando eu era um jovem adulto, tinha o objetivo de ser um homem de negócios bem-sucedido. Nunca me passou pela cabeça ser confrontado com as tragédias que conheci. A satisfação que tenho agora, a lutar pela Justiça, é algo que me faz sentir melhor do que se estivesse a ganhar muito dinheiro. Não poderia imaginar que a luta pela Justiça pudesse ser tão difícil e recompensadora.

Tem ideia dos milhões que já gastou enquanto ativista?
Nunca me dei a esse trabalho. O maior custo seria não ter feito nada. Algumas pessoas que ganham muito dinheiro, a partir de um determinado momento, dedicam-se a atividades filantrópicas. Há quem goste de financiar óperas… Eu acredito que vale a pena combater o mal.

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