“Houve muita inteligência por parte dos diretores das escolas, assim como dos professores”

fotos: Miguel Manso

“Houve muita inteligência por parte dos diretores das escolas, assim como dos professores”

Arriscaríamos dizer que Isabel Alçada, 70 anos, nem dá pela dureza do atual confinamento, tal a agitação da agenda online a que dá vazão, a partir da sua casa de férias, em Sintra. Utiliza as plataformas de interação com destreza, quer seja para dar esta entrevista, fazer uma sessão de incentivo à leitura numa escola, com a sua parceira de sempre, Ana Maria Magalhães, ou para ler diariamente com o neto mais novo. E nem sequer sofre com os problemas técnicos, porque reforçou a rede de internet caseira para estar à vontade neste novo mundo.

Além de continuar a escrever, Isabel Alçada não deixa de pensar nos temas de educação, já que é assessora do Presidente da República para essa área e pertence ao conselho consultivo do Edulog, um think tank da Fundação Belmiro de Azevedo. Além do mais, ainda se lembrará de como foi ser ministra desta controversa pasta, de 2009 a 2011, no governo de José Sócrates.

Alguém pediu a sua opinião sobre o encerramento das escolas, em março ou agora?
Como consultora do Presidente da República, dou a minha visão sobre o que se está a passar. Para isso, recolhemos, eu e o meu colega João Mata, informações atualizadas junto das escolas e do ministério. No final, não temos interferência na decisão.

Então, agora, pergunto-lhe: qual é a sua visão?
Em março, tínhamos menos informação do que agora, embora neste momento ainda não haja conhecimento detalhado sobre o assunto. A decisão é sempre muito difícil, porque não temos estudos epidemiológicos que digam que as escolas ao estarem abertas são um fator de risco para a propagação da doença.

O que pensou da primeira vez?
Que era muito prudente as escolas fecharem, porque o Serviço Nacional de Saúde ainda não estava preparado para um aumento exponencial de contágios.

E agora?
Temos uma situação absolutamente dramática nos hospitais, portanto tudo aquilo que contribua para o avanço da pandemia deve ser travado, embora haja quem defenda que as crianças mais novas não são grandes vítimas da doença.

Só que a vida escolar não movimenta apenas os mais novos…
Trata-se de um sistema complexo e não apenas de uma sala de aula. A escola promove um estilo de vida educativo para crianças e jovens, especialmente quando há interação entre pessoas de diferentes idades. O espaço de recreio é tanto ou mais importante do que a sala, porque aí se experimentam vários níveis de laços, através da socialização, permitindo ainda toda uma movimentação que faz desenvolver as capacidades psicomotoras.

Essa movimentação estende-se até fora da escola, na ida e no regresso com os amigos.
A partir de certa altura, as crianças e os jovens vão a casa uns dos outros, e essas idas são absolutamente determinantes para a forma como vemos o mundo. Quando estamos confinados a uma família, só conhecemos as regras que lá imperam, mas, se formos a casa de pessoas da escola, essas podem ser completamente diferentes. Vamos tendo consciência dos vários ambientes nesta situação que o sistema educativo estimula que aconteça.

Como se minimiza a ausência dessa interação que diz ser tão importante para o desenvolvimento?
Primeiro, temos de aceitar os factos e não nos lamentarmos. Não vale a pena agarrar-nos a irrealismos ou atribuir aos outros a responsabilidade de situações que nós podemos resolver. Neste momento, é preciso que nos protejamos, pois são vidas que estão em risco. Por isso, ajustemo-nos àquilo que de melhor temos para superar a situação – o digital.

O que nos permite o digital?
Não é a mesma coisa, mas, mesmo assim, permite-nos comunicar, interagir, aprender e até trocar afetos, embora com menor intensidade. Ainda agora estive com 54 alunos, de uma escola do Redondo, a fazerem perguntas sobre livros e leitura. E, noutro dia, reuni com um senhor de um banco, enquanto cliente, e ele tinha o seu filho bebé ao colo. Sabemos que agora se aceita isso sem dramas.

Fale-nos dessas sessões que tem feito com Ana Maria Magalhães, nas escolas e em modo virtual.
Sempre tivemos muitos convites para irmos às escolas interagir com os miúdos. Com a pandemia, deixou de ser possível, mesmo quando as aulas eram presenciais. Lembrámo-nos de propor continuar com as sessões, mas online, com os alunos a assistirem no auditório. Na última dessas sessões, antes do confinamento, o professor bibliotecário João Reis, da escola de Argoncilhe, já geriu muito bem a situação de ter duas turmas em presença e outra em quarentena, porque tinha havido casos de Covid-19. Foi aí que pensámos que poderíamos continuar a fazer essas palestras, mesmo com os alunos em ensino à distância, cada um em sua casa. A adesão foi imensa e temos agendadas uma ou duas por dia, em todo o País.

Nessas alturas, não há atropelos?
Não se atropelam, e isso torna-se muito formativo. É muito giro – os alunos mantêm o microfone desligado até fazerem a pergunta e voltam a desligá-lo logo a seguir, para não se ouvir o barulho lá de casa. Eles são muito rápidos a entender estas regras.

O que pensa da antiga Telescola que, agora, é o Ensino em Casa?
Trata-se de um instrumento menos rico do que a interação entre o professor e os alunos. Mas, numa lógica de realismo, é melhor ter a telescola do que não ter absolutamente nada. Porém, essas aulas devem ser enriquecidas pelos professores das crianças que verão se elas estão a acompanhar a matéria. Nestes casos, os pais podem monitorizar, mas não substituir os professores.

Neste momento, os pais são, muitas vezes, chamados a ajudar, especialmente junto dos mais novos. Isso é aconselhável?
Sim, devem incentivá-los a cumprir as rotinas, mas, de resto, as crianças aprendem muito depressa. Todos os dias, leio com o meu neto mais novo – um momento muito caloroso do ponto de vista afetivo. Ele é muito regular e liga-me quase sempre à mesma hora, geralmente por Skype. Noutro dia, perguntou-me como se punha fotografias nessa plataforma e eu respondi-lhe que não sabia, que fosse informar-se com o irmão mais velho e que depois me ensinasse. Pôr os mais novos a ensinar os mais velhos é muito educativo para todos.

Os meses em que o ensino foi exclusivamente online foram dados como perdidos. São recuperáveis?
Não acho que tenham sido totalmente perdidos, embora a sala de aula seja um ambiente mais rico. Mas ganharmos competências no mundo destes recursos é essencial no século XXI e, neste momento, estamos obrigados a usá-los, quer queiramos quer não. Sempre fui uma grande defensora do uso do digital nas aulas.

Sabemos que, atualmente, ainda há muitos alunos sem computador ou com péssima internet e, às vezes, nem condições têm para essas aulas online em casa. Isto não dificulta a aprendizagem?
Existem desigualdades muito graves no nosso país e a pandemia acentua-as. Os que menos têm são os que menos recebem. É difícil, mas temos de fazer um esforço para superar essa situação.

A pausa letiva de 15 dias, que já terminou, serviu para atenuar essas desigualdades?
Nivelar por baixo nunca é a melhor solução. Mas a decisão torna-se muito difícil, porque a informação não é segura, e estamos sempre na expectativa de que as coisas melhorem, e isso não aconteceu. Muitas vezes, as pessoas que acusam os decisores de estarem errados estão a ser injustas.

Acha admissível que os computadores prometidos em março ainda não estejam nas mãos dos alunos que deles precisam?
Os concursos públicos são muito morosos, porque há regras europeias que têm de ser aplicadas.

Não há maneira de acelerá-los? Estamos em estado de emergência…
Pois. Mas não podemos ultrapassar as regras, podemos é encontrar alternativas. Sei que muitas autarquias, porque as verbas são mais pequenas, conseguiram fornecer esses computadores, muito rapidamente, ao 1º Ciclo.

Alguns alunos sem condições em casa podem agora ir para as escolas de acolhimento que se mantêm abertas para os filhos dos profissionais de saúde, do ensino especial e para garantir a alimentação dos escalões A e B. É uma boa solução?
Sou a favor de tudo o que seja solução para ajudar a que as algumas crianças não sejam excluídas.

Os levantamentos existentes até agora não registam grandes surtos nas salas de aula…
E isso porquê? Houve boas recomendações por parte dos governantes, muita inteligência por parte dos diretores [das escolas], que têm feito um trabalho notável, assim como dos professores. Falamos dos profissionais de saúde, mas os da educação também merecem o nosso respeito e admiração.

O ensino à distância ajudou a que muitos professores largassem um modelo obsoleto de dar aulas?
Ninguém estava preparado para isto, e foi preciso tempo para adquirir competências. Hoje, penso que não haverá quem pense que as aulas online podem ser iguais às presenciais ou que dispense intercalar a explicação com a produção de trabalhos. Não acho o modelo obsoleto, porque permite uma diversidade enorme. Há muitas escolas que são mesmo inovadoras.

Temos quase um ano disto e já deve estar mais do que coordenada com a Ana Maria Magalhães para a escrita das vossas histórias. O que estão a preparar agora?
Ainda temos Uma Aventura para publicar, a 63ª, que foi escrita no verão e se passa Numa Noite de Tempestade. Agora, estamos a fazer um segundo livro, para a Fundação Jorge Álvares, cuja ação se passa entre Macau e o Japão, na segunda metade do século XVI, quando os portugueses tinham as missões jesuíticas. Vai chamar-se O Navio Negro, nome daquele barco fantástico que aparece nos biombos Namban. Se me perguntar onde vou estar logo à tarde…

Dirá que vai ao Japão…
Mais especificamente a Nagasaki. Ontem estivemos a observar o interior das casas tradicionais japonesas, com aquelas esteiras de palha de arroz, a estudar como se fazem as vénias. Hoje, se tiver sorte, irei no cortejo com o capitão do navio negro visitar o Dai Miu, que é o senhor da terra. Isto tudo, ligadas graças a uma plataforma. Depois, faremos da nossa forma habitual: uma diz uma frase, outra diz outra. Normalmente, é a Ana que escreve, porque tem uma letra mais bonita e nós estamos habituadas a escrever à mão. A seguir, enviamos o texto à Luísa Chibante que, há décadas, passa os nossos textos para o computador.

Como, nesta altura, podemos ajudar os miúdos a defenderem-se das “armadilhas digitais” (o título da narrativa sobre cibersegurança que escreveram para a Associação Portuguesa de Seguradores)?
Nessa altura, tivemos oportunidade de nos informarmos, com detalhe, como se fossemos jornalistas, com o diretor do cibercrime da Polícia Judiciária. Em primeiro lugar, há que ter muito cuidado com a identidade digital (nunca dar as passwords para não ser possível alguém apropriar-se de uma identidade alheia); não confiar em contactos desconhecidos, pois não se sabe se são seguros; e fazer uma triagem daquilo que vale ou não a pena na internet.

Isso talvez seja dos conselhos mais difíceis de pôr em prática…
Há um bom critério, mas a decisão é sempre individual: usar a internet para o bem, para o desenvolvimento, para o conhecimento, nunca para o mal ou para prejudicar os outros. Trata-se de um instrumento riquíssimo, mas uma enorme percentagem do que este tem não presta para nada. Os professores e as famílias podem ajudar, dando orientações e conversando. O conversar protege.

Se ainda fosse ministra, quando reabriria as escolas?
A cada dia teria de ouvir os especialistas, para saber o que seria mais adequado fazer no dia seguinte. Atualmente, a previsão a médio prazo já é palpite, e eu não gosto de palpitologia.

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