Quem vê caras não vê contas bancárias, mas quem olhar para Kevin Weil dirá que foi escolhido para o palco principal do segundo dia da Web Summit, precisamente, por saber que há muita gente necessitada de dinheiro. Até porque «é muito caro ser pobre», recordou o co-criador e vice-presidente da Calibra.
Quantas pessoas pagam o fardo acrescido de ser pobre? Weil tem um número corresponde a mais de um quarto da humanidade: «há cerca 1,7 mil milhões de pessoas que não têm acesso a contas nos banco e que guardam dinheiro em casa». Para quem tem como missão criar uma carteira digital que pretende atuar como a outra face da criptomoeda Libra, que é liderada pela Facebook, não deixa de ser um número que confirma uma necessidade pungente no mercado: «Se conseguirmos chegar a essas pessoas estaremos a ajudar para fazer um mundo melhor», atira o responsável da empresa que pertence ao grupo da Facebook, sem deixar de lembrar: «esta é uma viagem que vai demorar anos senão décadas».
É possível que Kevin Weil também não conheça o caso das comissões cobradas pelos bancos no envio de dinheiro na app MB Way, mas sabe bem o que está em causa sempre que alguém tem de fazer uma transferência em qualquer ponto do mundo. São essas comissões que os bancos começaram por não cobrar através da MB Way – e que a Calibra promete enterrar de vez, se for em frente.
Kevin Weil lembra que todos os dias são gastos muitos dólares em transações eletrónicas efetuadas entre diferentes geografias. E muitas dessas pessoas figuram entre as que têm menores rendimentos. O que confirma a tese de que ser pobre «é caro», mas também de que os que não são pobres podem estar insatisfeitos com a balcanização de métodos de pagamento e envio de dinheiro que passou a dominar a Internet depois da PayPal ter começado a operar.
Kevin Weil faz a analogia com os sistemas de e-mail, que permitem que qualquer pessoa envie uma mensagem sem se preocupar com a marca que providencia a correspondência eletrónica. A Calibra pretende garantir algo similar com envio de dinheiro. «Nunca ninguém criou uma carteira eletrónica para todo o mundo», recorda Kevin Weil.
Mark Zuckerberg já teve de ir ao Congresso dos EUA, que reúne vários parlamentares, explicar o pretende fazer com a criação da criptomoeda Libra – e esse processo está longe de ficar concluído. Kevin Weil reitera que a nova moeda só será lançada quando tiver a luz verde das autoridades reguladoras, mas recorda que a Calibra é um projeto independente face à Libra. O que é outra forma de dizer que qualquer pessoa vai poder guardar ou enviar libras, mesmo que não tenha uma carteira da Calibra.
«As pessoas vão poder usar milhares de carteiras eletrónicas», reitera Kevin Weil, com uma ponta de exagero que pretende ilustrar o facto de a Libra pretender funcionar como um ecossistema de código aberto, que está recetivo a quaisquer empresas que pretendam criar infraestruturas e serviços que até podem ser concorrentes da própria Facebook.
Weil lembra que a apresentação da Libra e da Calibra foi feita com antecipação e com informação detalhada precisamente para pôr reguladores e os vários intervenientes a pensar e a debater o assunto. Por mais de uma vez, o responsável da Calibra garante que é uma corrida de fundo que se perfila. Ou uma maratona financeira e concorrencial que pode demorar anos ou mesmo décadas. É com a expectativa de angariar mais gente para essa nova viagem que Kevin Weil deixa duas promessas: a Calibra vai operar nas mensagens Facebook e do Whatsapp, mas os dados financeiros das carteiras digitais nunca serão usados pela maior das redes sociais traçarem os perfis dos internautas.