Em Portugal temos tido vários exemplos de tentativas de ‘sermos modernos à força’. Aquela ideia que o digital é sempre melhor, mesmo quando não traz qualquer vantagem para os cidadãos ou quando a solução ainda não tem maturidade suficiente para ser aplicada. O mais recente exemplo é a passagem de provas de aferição do papel para uma plataforma online.
Algo de que posso falar com experiência própria porque uma das minhas filhas passou por este processo, que, se não fosse um assunto sério, poderia ser apelidado de anedótico. A primeira prova, de TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação), deu origem a muitos artigos e críticas de alunos, encarregados de educação e professores. Isto porque a plataforma simplesmente não respondia, tornando impossível a realização da prova para muitos alunos. No caso da minha filha, o sistema bloqueava constantemente e nem conseguia responder à velocidade do teclar dos alunos. Pior, sempre que ela, ou os colegas, desesperados com a péssima experiência, pediam ajuda aos quatro (!) professores escalados para acompanhá-los, a resposta era “silêncio, estão a fazer muito barulho” ou “reiniciem o sistema”. O que a minha filha fez… várias vezes.
Mas acham que o ‘calvário’, que só pode resultar – não há outra forma de o justificar – de muita incompetência, seja técnica e/ou de análise de recursos, levou os ‘gurus’ do Ministério da Educação a mudar de ideias? Não, toca a continuar a insistir no erro. E a parvoíce atingiu o expoente máximo quando encarregados de educação e alunos foram informados que a prova de matemática também seria feita na plataforma online. Isto porque a informação inicial que circulava é que a prova seria feita de modo tradicional – acredito que por erros de comunicação, já que estes são comuns.
Ora, após se saber que a referida prova seria online, lá se ‘gastou’ uma aula a explicar os alunos da turma da minha filha, que nunca resolveram exercícios de matemática no computador ao longo do ano, como fazer os símbolos e sinais que precisariam no computador. Mesmo quem nunca teve matemática ‘mais a sério’ tem noção que, nesta disciplina, não se desenha apenas números e sinais de aritmética, Há frações, parêntesis, muitos e diferentes sinais… Há que criar esquemas e gráficos para explicar a resolução dos problemas… Fazer tudo isto num computador, recorrendo apenas a teclado e rato – não, não foram usados tablets ou outras soluções que permitissem o desenho livre – significa que os alunos tiveram de perder (muito) mais tempo a preocupar-se com o processo de desenharem o que queriam do que a pensarem, realmente, nos problemas apresentados.
Confesso que, quando soube que o teste seria online, pensei, na minha inocência e porque quero continuar a acreditar que temos decisores políticos minimamente razoáveis, que seria um teste de escolha múltipla, em que os alunos usariam folha e lápis para resolver os problemas e só escolheriam o resultado no computador. Mas não, os alunos tiveram de apresentar todos os cálculos e processos de resolução no computador.
Até os matemáticos continuam a usar papel e lápis, mas os nossos adolescentes têm de andar a fazer ginástica com teclado e rato. Inqualificável! O resultado foi o que se esperava. Muitos alunos simplesmente desistiram, até porque sabem que estas provas de aferição ‘não valem para nada’. Ou melhor, valeram para demonstrar o que vai na cabeça de muitos (ir)responsáveis no Ministério da Educação.
Presumo que estas provas de aferição sejam, em larga medida, um teste. Espero que se perceba que não vale a pena ‘reinventar a roda’. O papel e o lápis/caneta foram grandes invenções e continuam a ser a melhor solução para muita coisa.